ALICIA FERNÁNDEZ: A História de uma referência para a Psicopedagogia

História de Alicia Fernandez e a Psicopedagogia
História de Alicia Fernandez e a Psicopedagogia

Educação e Pedagogia

08/05/2015

Alicia Fernández nasceu em Buenos Aires em 1944. Formou-se em Psicopedagogia e Psicologia pela Universidade de El Salvador em Buenos Aires. Internacionalmente conhecida, é uma referência fundamental para a Psicopedagogia, pois analisou questões importantes que envolvem as dificuldades de aprendizagem:

 

 “Nós, humanos, aprendemos a partir de identificações com nossos ensinantes, e somente em um ambiente familiar, e depois, no escolar e social, que nos aceite como seres pensantes. Quero dizer, que permita e favoreça nossas perguntas, dê lugar à diferença, em síntese, que favoreça a autoria de pensamento. A inteligência se constrói, a atividade de pensamento se constrói, como também a atenção e a capacidade de se prestar atenção.” (FERNÁNDEZ, 2008a)

 

Segundo uma entrevista concedida à Psicóloga Maria Teresinha Carrara Lellis, Alicia Fernández ao ingressar em Psicopedagogia “queria fazer alguma coisa que estivesse associada à clínica, mas não particularmente à medicina, mas à clínica e à psicologia.” (FERNÁNDEZ, p.187, 2008b). No entanto, na década de 60, época de seu ingresso na Universidade, não existiu um curso com este perfil. Sua Universidade, pioneira, não tinha uma definição clara quanto ao objeto de estudo da Psicopedagogia, oferecendo uma formação paramédica com duração de 5 anos.

“Eu estava mais ou menos no 3º ano da Faculdade de Psicopedagogia e ingressei na Psicologia da Universidade Nacional de Buenos Aires, eu queria alguma coisa que não sabia o que era e que não me davam na Psicopedagogia” (FERNÁNDEZ, p. 188, 2008b). O ingresso de Fernández em sua nova graduação ocorreu na década de 60, juntamente com a sua contratação como Orientadora Educacional (1962 a 1974). Nesta época não existiam psicólogos formados, pois as primeiras Faculdades estavam se formando e o cargo de Orientador Educacional começou a ser incluído nas escolas da Argentina. Na busca de profissionais para ocuparem estas vagas, escolas contrataram estudantes que estivessem em cursos relacionados a Psicologia e Alicia Fernández conseguiu o seu primeiro emprego, enquanto ainda cursava o primeiro ano da Psicopedagogia.

Durante a sua graduação se deparou com grandes professores: Pichon-Rivière, psiquiatra argentino, que contribuiu para a área da Psicopedagogia com seus estudos sobre a estrutura e funcionamento dos grupos, por meio da teoria do Grupo Operativo e Psicologia Social (FABRIZ, 2009); José Bleger, que propôs aos psicólogos superar a psicoterapia e a visão de doente/cura para praticar a psicohigiene, focando em uma promoção da saúde (GULA; PINHEIRO, 2007) e Bohoslavsky, que reforçou a ação preventiva da psicologia na orientação vocacional e a necessidade de novas técnicas e recursos (BOHOSLAVSKY, 1971).

Alicia também teve influência de duas grandes pesquisadoras. Primeiro conheceu Blanca Tarnopolsky, que realizou experiências com grupos de crianças com problemas de aprendizagem, “Grupo de Tratamento Psicopedagógico”, no Centro de Saúde Mental.  Já em 1974, conheceu Sara Paín e o seu “serviço de aprendizagem” criado dentro do setor de Psicopatologia do Hospital Pinheiro, hospital público em região carente de Buenos Aires. Alicia começa a auxiá-la em suas pesquisas que deu origem ao livro “Diagnóstico e o tratamento de problemas de aprendizagem”. No entanto, seu contato e aprendizagem com elas não dura muito tempo, pois em 1976 ocorreu um período terrível de ditadura na Argentina. Tarnopolsky e sua família são assassinados, queimam seus materiais de pesquisa e aterrorizam outros pesquisadores que “somem”, juntamente com os atendimentos que estavam sendo realizados nos Hospitais (FERNÁNDEZ, 2008b).

Alicia Fernandez já graduada em Psicopedagogia e com o curso de Psicologia “trancado” devido a intervenção, se auto exilia da Argentina e vem para o Brasil. Neste novo país cria o conceito de “Inteligência Aprisionada”, movida por seus sentimentos e vivências durante a ditadura. Nesta obra ela analisa a subjetividade da criança e sua possibilidade de aprender e ter que esconder, omitir ou desmentir o conhecimento dentro do grupo familiar. (FERNÁNDEZ, 1991).                                        

Em 1982, com o fim da ditadura, Alicia Fernandez volta para a Argentina e inicia o Centro de Aprendizagens no Hospital Posadas, hospital público em área carente. Neste espaço, inicia um trabalho interdisciplinar, interinstitucional que buscava relacionar Escola, Hospital, Família e trabalhar com questões do corpo e grupos, através da musicoterapia, expressão plástica e expressão corporal. Alicia afirma que suas inspirações quanto as relações de organismo, corpo, inteligência e desejo vieram de Sara Paín, no entanto que a corporeidade “me parece vem do lado de Pichón-Revieere, daqueles que estavam trabalhando as questões dos grupos e de Pavlovsky, pelo Psicodrama” (FERNÁNDEZ, 2008b). Sendo assim, junto de seu marido, Jorge, criam um espaço chamado de Técnicas Expressivas em que trabalham com a Psicopedagogia e formação artística e expressão corporal.

Alicia Fernández (1991) traz em sua obra a concepção sobre a aprendizagem e os problemas que a envolvem, além de apresentar uma proposta de diagnóstico interdisciplinar com a criança e sua família: DIFAJ (Diagnóstico Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só Jornada). No processo de aprendizagem, o sujeito põe em jogo o seu organismo (o corpo, construído a partir da relação com o outro), sua inteligência e seu desejo de ordem inconsciente.

A aprendizagem, depende do trânsito entre uma postura (aprendente) e outra (ensinante), ou seja, ser ensinante implica abrir espaços para que a aprendizagem aconteça. O aprendente precisa de adulto (pais, professores...) que acreditem em seu potencial, que lhe proporcione autonomia e autoria (FERNÁNDEZ, 2001a).

Ou seja, precisamos permitir que o sujeito que está em processo de aprendizagem, possa mostrar o que já sabe, através de suas hipóteses a respeito do conteúdo que está sendo ensinado. Em contra partida, o “ensinante” precisa reconhecer o conhecimento deste sujeito, o caminho que o levou a suas hipóteses, para então regular a sua ação. Neste processo, ambos aprendem e ensinam, visto que é a partir da interpretação dos "ensinantes" sobre as ações dos "aprendentes", que estes (alunos) poderão ir se constituindo como sujeitos autores.

Este processo não inicia somente na época escolar, mas nos primeiros vínculos entre mãe-pai-filho-irmão. É a partir destes conceitos que Alicia Fernández aborda o conceito de modalidade de aprendizagem, como um molde, um esquema que indica meios, condições e situações de aprendizagem que devem ser operados nas situações de aprendizagem (FERNÁNDEZ, 1991). Esta modalidade é construída tanto de forma inconsciente como inteligente pelo sujeito sobre o mundo desde o seu nascimento, conforme suas experiências de aprendizagem e as interpretações realizadas por seus familiares, professores... Por este motivo o diagnóstico elaborado por ela, o DIFAJ, traz como indispensável a participação de familiares para a descoberta mais eficaz da etiologia da dificuldade de aprendizagem.

Já no livro “Os idiomas do aprendente” (2001b) Alicia Fernández aborda o papel do inconsciente na aprendizagem e diz que não cabe ao psicopedagogo buscar culpados, mas sim investigar causas e apontar novas estratégias de ensinar e aprender. Sendo assim, a Psicopedagogia, não se preocupa com conteúdo, mas sim como se posicionam os ensinantes e aprendentes e procura como se dá a relação com o conhecer e o saber.

A caminhada profissional de Alicia Fernández foi extensa, ela trabalhou como Orientadora Educacional, Supervisora e Assessora de Atividades Psicopedagógicas. Coordenadora do "Grupos de Tratamento Psicopedagógico Didático para Psicopedagogos" em Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Também foi docente nas Universidades de Buenos Aires e Salvador, e foi convidada para participar de cursos e oferecer aulas de Psicopedagogia na América Latina e na Europa. Além disto, foi diretora do Espaço Psicopedagógico de Buenos Aires (EPsiBA), que depois do crescimento de sua abrangência passou a se chamar Espaço Psicopedagógico Brasileiro/Argentino e, atualmente, diante de sua permanente expansão, passou a ser Espaço Psicopedagógico Brasileiro/ Argentino/ Uruguaio.

Durante sua vida realizou a publicação de alguns livros: “A Mulher Escondida na Professora: Uma Leitura Psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem” (1994), “A Inteligência Aprisionada: Abordagem Psicopedagógica Clínica da Criança e sua Família” (1991), “Os Idiomas dos Aprendentes: Análise das Modalidades Ensinantes com Famílias, Escolas e Meios de Comunicação” (2001), “O Saber em Jogo: A Psicopedagogia Proporcionando Autorias do Pensamento” (2001), “Psicopedagogia em Psicodrama: Morando no Brincar” (2001) e “A Atenção Aprisionada: Psicopedagogia da Capacidade Atencional” (2012).

Alicia Fernandez faleceu no dia 26 de fevereiro de 2015, deixando o seguinte pensamento quanto ao futuro da Psicopedagogia:

 

[...] o futuro da psicopedagogia depende da postura que cada psicopedagogo pode ir construindo, quer dizer, priorizando a saúde da aprendizagem tanto nas escolas, nas famílias e nos meios de comunicação. Esta é a tarefa principal. Encaminhar uma criança ou jovem a um tratamento é só uma última instância. A psicopedagogia tem muito que contribuir se conseguir ser fiel à proposta psicopedagógica da saúde. Em síntese, frente à nossa inteligência aprisionada, a tarefa a de cada um de nós, como ensinantes e aprendentes, passa por: o autorizar-se a pensar; o permitir-se perguntar, o perguntar, o deixar espaço à imaginação e ao prazer de aprender; e, em consequência, ao prazer de ensinar. (FERNANDEZ, 2008a)

 

Bibliografia:

 

BOHOSLAVSKY, Rodolfo. Orientación vocacional - La estrategia clinica. Buenos Aires, Editorial Calerna, 1971. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/abpa/article/download/16929/15743>

Acessado em: 22/04/2015.

 

FABRIS, Fernando. Pichon-Rivière, intrusão e gênese do pensamento. Em Revista Intersubjetivo Psicoterapia Psicanalítica e Saúde No. 1, Vol. 10. Instituto Formação em Psicoterapia Psicanalítica e Saúde Mental. Madrid. p.11-28, 2009.

 

FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada:  abordagem psicopedagógica clínica da criança e de sua família. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

 

________________. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamentos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001a.

 

________________. Os idiomas do aprendente: Análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001b.

 

_________________. Entrevista: Alicia Fernández. Revista Direcional Educador - ed. 43 de agosto, 2008a. Entrevista concedida a Luiza Oliva.  Disponível em: <http://www.direcionaleducador.com.br/artigos/entrevista-alicia-fernandez>  Acesso em: 25/04/2015

 

_________________. Entrevista: Cruzando as Fronteiras da História da Psicopedagogia: uma Entrevista com Alicia Fernández. Revista Psicopedagogia. Vol. 25 Nº 78. Revista da Associação de Psicopedagogia, 2008b. Entrevista concedida a Maria Teresinha Carrara Lelis Disponível em: <http://www.revistapsicopedagogia.com.br/download/78.pdf> Acesso em: 25/04/2015

 

GULA, Patricia; PINHEIRO, Nadja. Entre o Limite e a Esperança: Relato de uma Experiência em Psicologia Institucional. Revista: Psicologia Ciência e Profissão. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/v27n2/v27n2a15.pdf> Acesso em: 25/04/2015

 

 

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Greicy de Togni

por Greicy de Togni

Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-Graduada em Psicomotricidade pela Pontifíicia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Cursando a segunda especialização pelo Portal Educação/ Faculdade Dom Bosco na área da Psicopedagogia.

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