Os três princípios que devem nortear o trabalho com a EJA
Princípios Metodológicos para o trabalho com a EJA
Educação e Pedagogia
16/05/2015
Os três princípios que devem nortear o trabalho com a EJA
Annyelle F B de Lucena¹
“O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto... Quanto mais refletir sobre a realidade... mais emerge plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la”. (FREIRE 1980:35)
Quando nos reportamos à escolarização de Jovens e Adultos, o método de ensino a ser utilizado ainda é a questão mais abordada em debates e sobre a qual recaem várias indagações.
Quem nunca acreditou estar fazendo um excelente trabalho e sorrateiramente se pegou incomodado por uma enorme sensação de fracasso? Quem nunca se perguntou sobre sua metodologia, se sua forma de trabalho estaria coerente com o cidadão que estamos querendo formar, se as atividades propostas em sala de aula estão realmente adequadas, se elas atendem ou não aos seus objetivos e as necessidades dos educandos (as)? Essas e outras perguntas nos fazem refletir acerca de qual seria a forma correta de planejarmos nossas aulas e de que forma poderíamos nos aproximar da escola ideal... Aquela que forma para a vida.
Quando se trabalha com jovens e adultos, pessoas com múltiplas vivências, experiências extremamente significativas, com opiniões formadas, com leituras de mundo diversificadas, com estratégias próprias de sobrevivência, pessoas que um por um longo período de tempo foram excluídas e obrigadas a se adaptarem a um mundo repleto de códigos e desta forma, se apropriarem de outros instrumentos que facilitassem o seu dia a dia como um simples fato de pegarem um ônibus pela cor e/ou horário, não se concebe a comparação com os métodos utilizados para a educação infantil.
São realidades, conteúdos, necessidades e ritmos de aprendizagens diferentes. Por exemplo: Para que trabalhar conjunto vazio e unitário? Será que um adulto trabalhador não compreende o que é ter a dispensa de sua casa vazia? Será que o termo unitário não está presente em sua vida, no momento em que vão a uma mercearia compra ovos ou pão a unidades? Então para que perder tempo com conteúdos que para eles não são relevantes e que em nada acrescentam a suas vidas?
Pensando nestas questões, destacaremos alguns princípios que não podem ser ignorados no trabalho com a EJA. Estes princípios têm norteado as práticas pedagógicas do Projeto Escola Zé Peão há mais de 25 anos. Este projeto de alfabetização de Jovens e adultos é fruto da parceria entre a UFPB e o SINTRICOM – Sindicato da Construção e do Mobiliário de João Pessoa – PB, uma experiência que já é referência a nível nacional. Começaremos então pelo princípio da contextualização.
O Princípio da Contextualização
O princípio da contextualização nada mais é que trazer para a sala de aula o cotidiano do aluno(a), sua realidade de vida, seu meio social, os assuntos que lhe dizem respeito, que lhe provocam interesse, que se adequam as suas necessidades. Ou seja, inserir no cotidiano escolar temas, questões e conteúdos que contribuam com sua formação cidadã, que o ajude a ampliar as leituras de mundo, sua relação com o uso social da leitura e da escrita, sua situação histórica e sua inserção enquanto sujeito político.
Para contextualizar, deve-se ter como ponto de partida o aluno (a), seus saberes e suas experiências. É preciso estar aberto para o resgate de suas histórias, suas condições de vida, o que sonham, o que esperam aprender no processo, as condições em que se dão sua inserção no mundo do trabalho, o que pensam, o que querem...
Também devemos ter atenção no que esta sendo feito em sala, nas situações que são trabalhadas para exemplificação, nas questões que são postas para o aluno oferecer sua opinião ou uma resolução, nas atividades, nas gravuras ou imagens postas nos exercícios, nos jogos lúdicos, nas dinâmicas, na forma como se dirigir ao aluno(a) para chamar-lhe a atenção, na linguagem, para não utilizar-se de diminutivos, ex: tarefinha, letrinha, continha... São adultos e por isso devemos ter o máximo de cuidado para não infantilizá-los.
Devemos também observar o grau de dificuldade expresso nas atividades. Cada aluno tem sua forma particular de produzir seu próprio conhecimento, bem como seu ritmo de aprendizagem. Então por que exigir dos alunos as mesmas coisas, das mesmas formas, como se fossem todos iguais e estivessem padronizados quanto ao conhecimento?
Também não devemos subestimá-los quanto a sua capacidade de resolução de tarefas, ex: Some 5 + 5, nem tão pouco oferecer-lhes situações que ao invés de serem desafios, sejam experiências de fracasso escolar pela impossibilidade de resolução.
Para que pintar coelhos, índios ou a figura do Papai Noel se podemos deixar que falem o que pensam, que tentem construir palavras, frases ou pequenos textos para expressarem seu conhecimento? Não seria mais interessante discutir com eles o processo de colonização e a dizimação dos índios de suas terras? Para que perder tempo com questões desnecessárias como criar problemas imaginários tipo: se você fosse isso ou aquilo, ou tivesse isso ou aquilo... Para trabalhar operações matemáticas, se podemos colher informações concretas do aluno(a), captar elementos matemáticos presentes em sua vida ou pesquisar dados que acrescentem e sejam úteis para uso em seu cotidiano?
Em síntese, tudo o que for trabalhado em sala de aula, principalmente o que chamamos de conteúdos educativos (as famosas temáticas sociais), devem provocar no aluno(a) uma leitura de mundo muito mais embriagada de criticidade e desejo de mudanças, deve ampliar sua condição oral do senso comum para o senso critico e principalmente, deve facilitar a resolução dos diversos problemas enfrentados pelos nossos educandos (as) no meio social em que estão inseridos.
Princípio da Especificidade Escolar
O princípio da especificidade escolar diz respeito ao papel específico da escola. Ele se apresenta nos conteúdos instrumentais, seja da língua portuguesa, matemática ou de outras áreas do conhecimento humano. É nosso dever oferecer aos alunos (as) oportunidades de leitura e escrita, é nossa missão ajudá-los a codificar e decodificar, ou seja, ler e escrever, entender códigos e símbolos, letras e números.
Este princípio diz respeito à necessidade primeira do educando(a), a tão sonhada... escolarização. Esta deve ser feita através dos inúmeros tipos de texto, conhecidos por nós como gêneros textuais.
De que adiantaria ao aluno(a) discursar melhor e de forma mais consciente se os objetivos que o mobilizaram a voltar a estudar depois de anos, não fossem alcançados? Como por exemplo, escrever ou ler uma carta, ou bilhete a um ente querido, entender sua conta de luz, seu contrato de trabalho, ou mesmo sua bula de remédios. De que adiantaria ao aluno(a) saber que tem direitos se não soubesse ler quando necessário, um artigo da lei para encontrar informações que o ajudassem na argumentação? Se para tirar dinheiro num banco ele ainda recorresse a estranhos?
Este é o mais corriqueiro e comum pecado cometido por nós educadores da EJA. Muitas vezes, enfatizamos as discussões em sala e no final deixamos a desejar no que diz respeito ao processo de escolarização. Isto é nítido quando vemos em diversos programas voltados a alfabetização, cujo método recai sobre o trabalho com as temáticas sociais, a disparidade entre o número de alunos matriculados inicialmente comparados ao número de alunos que são encaminhados a rede Pública de ensino ao término do programa.
Com isso, é importante lembrar que não estamos ignorando os diversos ritmos de aprendizagem e o fato de a escolarização acontecer em tempos diferentes para cada sujeito, mas sim trazendo a tona a importância de um planejamento equilibrado e o grande desafio, o de harmonizar o tempo para que a escolarização não seja atropelada pelos debates em sala, ou seja, o desafio de mantermos um constante equilíbrio entre o desenvolvimento da escrita e da leitura, da criticidade, da oralidade e do raciocínio lógico matemático.
Nesta perspectiva, reafirmamos a necessidade de organizarmos atividades interessantes, inteligentes e significativas, que estejam comprometidas com a escolarização, mas que a leitura da palavra não seja meramente mecânica, mas rica de informações e significados. Princípio da Significação Operativa
Por último e de igual importância, ressaltamos o princípio da significação operativa. Muitas vezes chovemos no molhado, quando levamos para nossos educandos(as) temas, atividades ou conteúdos que em nada contribuirão para suas ações diárias. Até contextualizamos. Trazemos informações que o ajudaram na aquisição da escrita e da leitura, mas no seu cotidiano, não informaram nada que transformasse sua condição de vida.
Para exemplificarmos, podemos destacar o educador (a) que discuti com seus educandos(as) a importância, os tipos e a evolução dos meios de comunicação, resgata os que lhe são acessíveis ou mais usuais, fala das desigualdades sociais, etc. Nos conteúdos instrumentais, utiliza vários tipos de texto e suas estruturas próprias. Trabalha com a carta, o bilhete, o telegrama, até se articula para levá-los a uma Lan House para que tenham acesso a uma sala de bate- papos, ou a um e-mail. Aproveitando o tema, ele seleciona algumas palavras para trabalhar o uso do R de forma intercalada (CARTA/ JORNAL). Provoca os alunos a tentarem construir outras palavras ou pesquisarem em revistas... Tudo estaria perfeito se não estivesse faltando esse importantíssimo principio, o da significação operativa.
É relevante o aluno compreender a evolução dos meios de comunicação. Também é interessantíssimo oferecer oportunidades de vivenciar uma experiência de bate-papo numa Lan House, mas sabemos que o computador, apesar de está sendo mais acessível, ainda não é o meio de comunicação mais próximo dos alunos. Todos recebem fatura de água e luz e porque não também trabalhar com eles este meio de comunicação? Como entender este documento informativo. Por que não trabalhar com eles a carta, como se faz, como se preenche um envelope? Por que não trabalhar com a tabela de preços atualizada fornecida pelos correios para informá-los de que existe a carta simples que custa menos de R$ 0,10 (dez centavos) para qualquer lugar do Brasil. Por que não trabalhar como se faz um bilhete enquanto meio de comunicação que apesar de toda uma evolução nunca deixou de existir? Por que não provocá-los a trocarem bilhetes na sala? Estamos tratando aqui do significado operacional, ou seja, isto ajudará de forma imediata no seu dia a dia.
Também poderíamos ampliar esta contextualização. Por que não começar pela forma como as pessoas se comunicavam antigamente e como se comunicam hoje. Provocar uma discussão sobre a importância da comunicação na família. A importância de um por favor, de um com licença, de um muito obrigada, de um... Desculpe-me, palavras tão esquecidas ultimamente e tão pouco utilizadas nas relações de nossos alunos com seus filhos e esposas pela nossa cultura machista, nos ambientes de trabalho, pelas relações de hierarquias e em outros espaços sociais. Também poderíamos discutir com eles, o que fazer com os resíduos tecnológicos provocados pela evolução dos meios de comunicação (As baterias de celular, pilhas etc) para que estes não causem danos irreparáveis ao meio ambiente.
Para não nos esquecermos deste princípio devemos lembrar que ele busca a transformação da realidade, devemos ao nos planejar sempre nos perguntar, se não falta nada... Se não há algo que possa ser feito ou dito que acrescente na vida prática do educando(a), no seu fazer diário de trabalhador, dona de casa, pai de família, etc.
Considerações Finais
Podemos entender o princípio da contextualização como sendo o que traz a tona a importância de se trabalhar o contexto social, cultural, político e histórico, do educando(a). O princípio da especificidade escolar como sendo o que convida os educadores a trabalharem o que é função especifica da escola, ou seja, os conteúdos de linguagem e matemática necessários ao processo de alfabetização. E o princípio da significação operativa como sendo aquele que oferece ao aluno(a) subsídio prático para uso diário, mudança imediata, ações que mudem sua realidade.
Vale apena ressaltar que produzir debates, atividades e situações de sala de aula que contemplem estes princípios ao mesmo tempo, não se constitui tarefa simplória. Exige de nós vontade, tempo, reflexão e pesquisa. É o grande desafio do educador(a), articular o tempo de forma consciente para equilibrar a mecânica e a significação, porém se conseguirmos, poderemos dizer que alcançamos os pilares da Educação de Jovens e Adultos que são a Leitura de Mundo, Leitura da Palavra e a Transformação da realidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GADOTTI, Moacir. Convite a leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1989.
IRELAND, Vera. REVISTA TEMAS EM EDUCAÇÃO, João Pessoa, UFPB, Curso de Mestradoem Educação N.2. EditoraUniversitária.
OLIVEIRA, Maria. A educatibilidade no trabalho seu realismo numa experiência escolar com trabalhadores. REVISTA
TEMAS EM EDUCAÇÃO, João Pessoa, UFPB, Curso de Mestrado em Educação, N. 2, 1992 p. 35-52.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Annyelle Ferreira B de Lucena
Pedagoga pela Universidade Federal da Paraíba, Psicopedagoga pela Faculdade Integrada de Patos, com Curso de Extensão em Educação de Jovens e Adultos pela Universidade do Rio de Janeiro e Mestranda pela Saberes Assessoria - Universidad Autônoma del Sur.
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