Leitura e Cognição: teoria e prática nos anos finais do ensino fundamental.

O cérebro tem como algumas de suas funções o processamento da leitura
O cérebro tem como algumas de suas funções o processamento da leitura

Educação e Pedagogia

30/07/2015

PEREIRA, V; SILVA, A. Leitura e Cognição: teoria e prática nos anos finais do ensino fundamental. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.

 

O cérebro tem como algumas de suas funções o processamento da leitura. Esse processamento envolve a lateralização e as áreas cerebrais.  A lateralização compreende tanto o hemisfério direito quanto o esquerdo. O hemisfério direito é responsável por construir as inferências que fazemos; por detectar algum tópico em qualquer lugar do parágrafo; pelo processo de integração para atingir a coerência do discurso; e os processos de compreensão da sintaxe. Já o hemisfério esquerdo refere-se a detecção de tópico em final de parágrafo.

As áreas cerebrais referentes ao processamento da leitura são: o córtex visual primário – responsável por visualizar as palavras; os lobos temporais – responsáveis pelas palavras ouvidas; a parte posterior do lobo frontal – responsável pelas palavras emitidas; e a área de Broca – responsável pelas palavras pensadas.

Assim, o texto realiza-se socialmente através de gêneros textuais que são formados por tipos de sequencias textuais e podem apresentar intergenericidade e heterogeneidade de tipos de sequência textual. O texto compreende aspectos formais, funcionais e sociocomunicativos, tendo como critério sociocomunicativos e discursivos de classificação a sua forma estrutural; seu proposito comunicativo; conteúdo; meio de transmissão/veiculação; papeis dos interlocutores; e seu contexto situacional. Os tipos de sequencias textuais são marcados pela natureza linguística de sua composição. E constituem-se em cinco tipos fundados em critérios linguísticos e forais, tais como: o narrativo; o descritivo; expositivo; argumentativo; e injuntivo.

O cérebro humano processa entre outras funções a linguagem que tem como função primordial a comunicação e também compreender os planos linguísticos que se dividem em: plano fonológico; morfológico; sintático; semântico; e pragmático.

O plano fonológico estuda as relações entre grafemas e fonemas considerando as combinações fônicas; as rimas; e as aliterações.

O plano morfológico estuda a formação de palavras; classes gramaticais; as estruturas de vocábulos; os processos de formação de palavras; e os limites de palavras.

O plano sintático estuda a relação sintagmática  entre palavras, abordando os seguintes aspectos: a relação entre determinantes, substantivos e adjetivos; a organização do período simples; a organização do período composto; a organização do paragrafo; e os limites de frases. Aborda ainda a coesão gramatical compreendendo os aspectos da elipse, das referencias e das conjunções.

O plano semântico estuda os significado das palavras e as palavras no contexto linguístico, abordando os aspectos de coesão lexical; vocábulos e coerência. A coesão lexical compreende a repetição de palavras, a sinonímia, o campo semântico, a hiponímia e a hiperonímia. Já a coerência compreende a manutenção temática, a progressão temática e a ausência de contradição interna.

O plano pragmático estuda o contexto comunicativo de uso da língua abordando e levando em conta os aspectos de quem fala; para quem se fala; sobre o que se fala; quando se fala;  através do que se fala – que é o portador do texto, os gêneros textuais.

O modelo psicolinguístico entende a leitura como um processo cognitivo tendo como referência conhecimentos prévios do leitor e pistas linguísticas deixadas pelo autor. Compreende ainda a leitura o processamento da leitura e as estratégias de leitura.

Dessa forma, a compreensão da leitura estabelece relação entre leitor/texto/autor, no qual o leitor faz pressuposições, formula, avalia e corrige hipóteses. A compreensão da leitura pode ser avaliada através de questionários de escolhas simples ou múltiplas, falso ou verdadeiro etc. ou de forma mais organizada e mais complexa no caso de resumos e procedimento cloze – teste para diagnosticar a capacidade de leitura. Assim, o processamento da leitura pode ser de dois tipos. Pode ser ascendente ou bottom-up ou descendente top-down. O processamento também é influenciado pelas variáveis dos gêneros e dos tipos textuais, pelos conhecimentos prévios, pelo estilo cognitivo do leitor ou pelo objetivo de leitura.

As estratégias de leituras comtemplam dois tipos: as cognitivas e as metacognitivas. Para a primeira reina o inconsciente. A segunda se dá de forma consciente e reflexiva. Existem diversos tipos de estratégias, tais como a predição, o automonitoramento, autoavaliação, a autocorreção, seleção, leitura detalhada e inferência.

Predição – “Pedro está lendo uma história em que há um personagem, só revelado ao final, que se transforma em lobisomem. Durante a leitura sua curiosidade é aguçada para descobrir esse personagem. Observa, então, que, numa dessas transformações, resta no local um lenço com a inicial A. Pensa, então: “O lobisomem deve ser ou Ana ou Antônio ou André.”. Segue sua leitura, testando sua hipótese em outras aparições do lobisomem até o desfecho da história.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Automonitoramento – “Tomando como exemplo o caso da situação 3, Pedro, antes de definir a hipótese sobre qual o personagem que se transforma em lobisomem, retoma o processo desenvolvido no sentido de verificar se as informações reunidas dão sustentação a essa hipótese.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Autoavaliação – “Ainda usando o mesmo exemplo, Pedro reflete sobre a adequação da hipótese formulada, considerando as informações reunidas. Constata, por exemplo, que há mais um personagem (Alexandre) cujo nome inicia com a letra A. Além disso, se dá conta de que Ana é Ana Lúcia, portanto suas iniciais são AL.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Autocorreção – “Ainda Pedro, a partir da autoavaliação realizada, corrige, então, sua hipótese anterior para a de que os personagens que podem ser lobisomens são Antônio, André e Alexandre.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Seleção – “José está lendo um texto em português arcaico. Conforme orientação da professora, ele está sublinhando cada palavra que não entende.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Leitura Detalhada – “Alice ganhou um celular novo, que oferece muitos recursos. Para usá-los, precisa saber como funcionam. Por essa razão, está lendo minuciosamente o manual que o acompanha.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Inferência – “Paulo, ao acordar hoje, encontrou um bilhete de sua mãe, que já havia saído para trabalhar: “Paulinho, o vovô Joaquim passou indisposto esta noite. Bjs. Mãe.”. Em seguida, desligou o aparelho de som que acabara de ligar.” (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

Assim, o processo de leitura pode ser investigado por diversos pontos de vista, tais como o cognitivo, o linguístico, o cultural e o lógico/inferencial. No caso do viés cognitivo, ler consiste, essencialmente, num processo de construir cognitivamente uma espécie de código mental a partir de um código escrito, em que de grafemas visuais chegamos a representações isomórficas internas. Evidentemente, tal processo é assumido como composicional à medida que a ordem de tais unidades mínimas está a serviço da construção de lexemas, ou palavras, num primeiro momento, conduzindo a frases e finalmente a fragmentos discursivos.

Ler, então, é passar da sequência em código escrito - grafemas-lexemas-sentenças-enunciados - para a mesma sequência em código mental. Não seria adequado considerar que se pudesse caracterizar leitura como a tradução mental de grafemas isolados, por exemplo. Ler, na verdade, é a capacidade de depreender a sequência inteira anterior como peças linguísticas construídas como significativas. Não se pode pensar em leitura sem que o significado esteja em jogo. Do ponto de vista da cognição, tal processo de compreender a linguagem deve estar ancorado em propriedades do cérebro/mente sem as quais a leitura seria impossível.

Dessa forma, o processo de leitura é:

Complexo – pois é uma composição de grafemas, lexemas, palavras, sentenças e enunciados.

É interdisciplinar, entre a linguística e a cognição:

Pois bem, introduzida a complexidade do processo linguístico da leitura, façamos a sua aproximação com a interface cognitiva. Seria razoável supor que tal processo fosse totalmente aprendido com a experiência? Sim, uma das duas: ou a leitura pressupõe uma base cognitiva inata ou tudo deve ser aprendido via treinamento. Interpretar a alfabetização como sendo simplesmente o caminho que leva diretamente à leitura parece enganoso. Em geral, o alfabetizador, mesmo parecendo aquele que simplesmente leva da letra ao som e à representação cognitiva, está totalmente envolvido com palavras, sentenças e enunciados, ou seja, está totalmente envolvido com mecanismos inferenciais. Durante a alfabetização, e mesmo ao longo da leitura adulta, a base inferencial é absolutamente decisiva. Como entender que a composicionalidade se dá da esquerda para a direita, que uvas não vêem e que o tempo é marcado no advérbio pela conexão com o momento da enunciação? E isso em frases simples como Ivo viu a uva preta ontem. E como entender uva preta, se não se supõe que haja outras cores para uvas? Se isso é assim, então é natural imaginar-se que a leitura, em sua complexidade, depende de aspectos inatos sob pena de deixar o problema de Platão aberto, estímulos muito simples para tantos processos complexos. Sim, temos que contar com a base cognitiva forte do leitor não só para decodificar a escrita como para inferir a rede de significações que perpassa o processo, desde o dito ao implícito que o completa (Ivo pode ver, a uva não) inicialmente e o complementa posteriormente (há uvas de outra cor). Dada a construção da complexidade em termos explícitos e inferenciais, podemos perguntar, então, como se representar, cognitivamente, tal complexidade. Em outras palavras, em que zonas do cérebro se dão os diferentes processos e como elas interagem para que a leitura seja bem sucedida.  Tomada nesse sentido, a interface externa linguística/cognição se torna crucial para a abordagem da leitura, sob pena de reduzi-la a um fenômeno simples, quando as diversas formas de inferência são indispensáveis para o processo adequado. Da mesma forma, a descrição das relações entre Fonologia, Lexicologia, Sintaxe, Semântica e Pragmática, interfaces internas da Ciência da Linguagem são necessárias para o entendimento da leitura, sob pena de ser ela abordada como se disciplina específica fora, quando é claramente mais rica e adequada a perspectiva intradisciplinar, que dá sustentação à opção interdisciplinar Linguística/Cognição. Ao nível metateórico, portanto, podem-se organizar as reflexões acima numa sequência que se explica por si só. A ideia básica é sugerir programas de investigação em interfaces externas e internas, especialmente explorando as noções próprias das subteorias linguísticas. (PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.)

E é intradisciplinar entre sintaxe e semântica:

A noção de composicionalidade sintático-semântica é vital no processo de leitura; é a soma dos fatores mínimos como grafemas em sílabas, palavras e sentenças, tudo dentro de uma certa ordem de boa formação, que gera o processo em pauta. Dizendo de outro modo, ler não é adivinhar, é decodificar e compreender. Mas como se passa da decodificação para o entendimento que caracteriza o sucesso da leitura? Como se aprende a ler corretamente? Por que a fala parece ser naturalmente aprendida, sendo a leitura dependente de um certo treinamento? Na verdade, o que parece ocorrer é que o código falado é mais simples e direto que o escrito, experimenta-se o desde o início com a criança e se a introduz no jogo da fala desde que nasce, sem consultá-la ou prepará-la artificialmente. A naturalidade da fala é, sem dúvida, um treinamento mais espontâneo, apenas isso. Cognitivamente são diferentes, é claro. A decodificação da fala pela área auditiva se dá em lugar diferente no cérebro do que a visualidade da escrita. Falar é o resultado de uma evolução da linguagem em que todo o sistema, provavelmente por exaptação, passou a servir para a comunicação, quando não o era originalmente. Já a escrita surge, bem possivelmente, de uma necessidade de comunicação a distância e de um sistema de preservar as mensagens. A leitura garante que poderemos nos comunicar em ausência e poderemos ler as mensagens ao longo dos séculos. Não é por outra razão que o livro veio a se tornar um símbolo da leitura, da história, enfim, da cultura. Ainda que não necessariamente, se a fala começa de forma espontânea e se desenvolve estruturada, antes que tradicionalmente a alfabetização, esta última, normalmente, decorre de um treinamento em que os grafemas são conectados aos fonemas, e isso leva o processo adiante. Nesse caso, fica visível a importância das interfaces Fonética/Fonologia/Lexicologia/Sintaxe para a descrição do processo de leitura. Basta supor, por exemplo, que não se tivessem sentenças, ficando palavras como unidades máximas. Seria isso leitura em sentido pleno? Suponha-se que não houvesse palavras, apenas fonemas (para grafemas). Seria isso leitura no sentido da linguagem cotidiana que conhecemos? Certamente, não. O que parece é que ou a leitura é um processo complexo até a compreensão semântica, ou não é leitura em sentido forte.

E semântica e pragmática:

E o que dizer da interface semântico-pragmática, lugar em que a leitura passa do explícito para o inferido. Como ignorar os implícitos agarrados às sentenças?  Seria razoável chamar de leitura um processo que ignorasse a natureza constitutiva e complementar da Pragmática em relação à Semântica? Suponhamos uma frase simples como “Ivo viu a uva preta ontem”, em que a ordem sujeito-verbo-objeto-advérbio é decisiva para que se leia adequadamente. “Ontem viu preta Ivo uva a” não permitiria compreensão a não ser por uma reconstrução cognitiva da ordem padrão. Mas vamos um pouco mais longe. “A uva preta viu Ivo ontem” estaria correta na ordem; por que não é aceitável, então? Porque uvas não vêem. Sim, mas isso não está dito. Depende de nosso conhecimento enciclopédico, ou de mundo. E como compreender o momento em que Ivo viu a uva, sem o entendimento de que ontem é o dia anterior ao tempo do enunciado? ( PEREIRA, V; SILVA, A, 200, p.).

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Sweder Souza

por Sweder Souza

Discente do Curso de Letras - Português e Inglês, licenciatura da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. É membro dos Grupos de Pesquisa em: Estudos da Linguagem; Discurso, Tecnologia e Identidades; e Estudos dos Sons da Fala.

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