13/10/2015
Leitura nas séries iniciais do Ensino Fundamental
Thaiz Borges Hottis
I - Leitura de Mundo
A leitura é um processo dinâmico e dialógico. Ler não é apenas ver signos e decifrá-los, é sentir, experimentar, reconhecer, criar e recriar múltiplos sentidos que são associados às experiências de cada indivíduo. Antes vista apenas como um simples meio de receber e emitir uma mensagem, hoje a aprendizagem da leitura abrange uma complexidade maior, para realizá-la o indivíduo põe em funcionamento uma infinidade de células cerebrais, um processo mental que vai além da simples codificação e junção das letras. Formando palavras e sentenças, o indivíduo desenvolve nessa atividade a capacidade de compreender o mundo que o cerca de forma crítica, nesse processo ativo ele deixa de ser apenas um mero receptor e começa ir além. Bamberger (1986) nos fala da complexidade que envolve o ato de ler:
"[...] Antes de mais nada, é um processo perceptivo durante o qual se reconhecem símbolos. Em seguida, ocorre a transferência para conceitos intelectuais. Essa tarefa mental se amplia num processo reflexivo à proporção que as ideias se ligam em unidades de pensamento cada vez maiores. O processo mental, no entanto, não consiste apenas na compreensão das ideais percebidas, mas também na sua interpretação e avaliação. Para todas as finalidades práticas, tais processos não podem separar-se um do outro: fundem-se no ato da leitura. (BAMBERGER, 1986, p.23)."
O ato de ler envolve a descoberta de um novo mundo, ou a recriação do nosso próprio, de forma mágica e instigante. O aprendizado dessa prática se dá antes mesmo da criança saber reconhecer as letras do alfabeto, ela aprende desde cedo a ler o mundo que a cerca, ela começa por apreender a “leitura de mundo” segundo Paulo Freire (2011):
"A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo. (FREIRE, 2011, p.19-20)."
“A leitura de mundo precede a leitura da palavra”, como afirma Freire (2011), pois antes mesmo de chegar a uma sala de aula o aluno carrega dentro de si um universo de múltiplas linguagens, signos, experiências e suposições que são riquíssimas para todo o processo de aprendizagem que vai construindo ao longo do processo de escolarização, valorizar essa bagagem de conhecimento é fundamental para o sucesso escolar. Esses conhecimentos que a criança adquiri e extrai do mundo que a cerca é de grande valia para o aprendizado da leitura, aproximar essa prática com o universo vocabular que já é dominado por ela faz com que a criança aprenda e apreenda com mais facilidade os diferentes signos com que está tendo contato no ambiente escolar. Essa valorização dos conhecimentos prévios da criança é muito importante pois contribui significativamente para todo o processo de aprendizagem, mas nem sempre há essa valorização. As escolas, e professores projetam nos alunos um ideal de ser humano, então tentam moldar o aluno impondo metas e domesticando-os, acreditando ser esta postura ideal e muitas vezes desvalorizando toda a bagagem cultural e de conhecimentos prévios dos alunos.
Como cita Freire (2011):
"A neutralidade da educação, de que resulta ser ela entendida como quefazer puro, a serviço da formação de um tipo ideal de ser humano, desencarnado do real, virtuoso e bom, é uma das conotações fundamentais da visão ingênua da educação. (FREIRE, 2011, p.40)."
Essa “visão ingênua” de que fala Freire nos aponta os motivos pelo qual a escola erra muitas vezes com os alunos na questão de tentar mudar/moldar o aluno, não é possível retirar todo o aprendizado que o aluno possui, que foi adquirido da sua “leitura de mundo”, muito menos substituir pelos conhecimentos que vão ser, agora, passados na escola, o que é possível é a integração, a junção desses saberes para a elaboração e atualização de novos, ampliando assim a bagagem de conhecimentos dos alunos.
As crianças aprendem de uma forma mágica, seja observando, questionando, brincando, a todo tempo surge um novo aprendizado. E o processo de aprendizagem da leitura deve fluir assim como uma brincadeira de criança, onde se dá naturalmente de forma prazerosa e livre. Freire (2011), em suas reflexões sobre sua infância afirma que a sua “leitura de mundo” e o apoio de seus pais contribuiu grandemente para a sua alfabetização:
"Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse dignificado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. (FREIRE, 2011, p.23)."
Mas quando a criança deve começar aprender a ler e a escrever? A resposta a essa pergunta envolve muitos debates e muitas teorias são estudadas sobre o assunto no qual cada estudioso assume uma posição e defende sua ideia de quando é a melhor idade. Segundo Baptista (2009):
"Mesmo correndo o risco de uma excessiva simplificação, pode-se afirmar que, em geral, este debate se circunscreve a duas posições hegemônicas e, ao mesmo tempo, antagônicas. De um lado, argumenta-se acerca da inadequação do trabalho com a língua escrita nessa faixa etária por considerá-lo uma antecipação indesejável de um modelo escolar típico do Ensino Fundamental. De acordo com essa concepção, ensinar a ler e a escrever equivaleria a “roubar” das crianças a possibilidade de viver mais plenamente o tempo da infância. De outro lado, o trabalho com a língua escrita desde a educação infantil é avaliado positivamente e incentivado como uma medida “compensatória” ou propedêutica com vistas à obtenção de melhores resultados nas etapas posteriores da educação básica. (BRASIL, 2009, p.13)."
Devido à antecipação da escolarização as crianças passaram a frequentar a escola mais cedo, com seis anos, obrigatoriamente. Esse processo fez com que o ensino da escrita se tornasse mais precoce. Mas a autora defende a ideia de que o ensino da escrita precocemente pode ser benéfico, mas não da forma que é feito hoje. Deve-se em primeiro lugar tornar o aluno o sujeito principal desse processo, o aluno é o foco. Ele é participe e construtor de sua cultura e de sua história, tem seus próprios desejos e vontades que devem ser respeitados nesse processo de ensino da escrita e da leitura. Ao aprender e compreender o uso dos múltiplos signos linguísticos que existem e ao utilizar a tecnologia da escrita ele deve também, de forma integrada, se tornar um usuário competente desse sistema. E para que aprenda a usar corretamente tais signos e símbolos ele deve frequentar um espaço próprio que ensine os usos da língua, um espaço educativo formal, aonde vai se desenvolver gradativamente, a escola.
O processo de aquisição da escrita depende de muitos fatores, mas para que ele seja efetivo e de qualidade deve-se focar no aluno, o sujeito principal, que tem suas características próprias e singulares. E os meios de se ensinar essa língua para as crianças não deve ser mecânica e maçante, deve ser prazerosa e cheia de significados e brincadeiras que proporcionem um aprendizado adequado para cada idade. Estamos diante de uma sociedade exigente, nossa cultura exige uma maior compreensão dos signos linguísticos que nos cerca, do mundo letrado que está por todo lado, por isso a necessidade da qualidade do ensino e consequentemente um aprendizado eficaz da leitura e da escrita. Mas quando se trata de crianças, esse ensino deve respeitar suas limitações, não impondo tarefas de adultos nos pequenos, mas sim, atividades de acordo com a fase em que cada criança se encontra, e essas atividades que contribuem para o desenvolvimento e aquisição da linguagem, da escrita e da leitura devem ser estimulantes e que busquem despertar o pensamento, raciocínio e o prazer dos pequenos, sempre respeitando e vendo as crianças como crianças, cheias de seus direitos e não as educando como adultos em miniaturas.
Referências
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 2.ed. São Paulo: Ática, 1986.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SANDRONI, Laura C.; MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro: guia prático de estímulo à leitura. 4. ed., São Paulo: Ática, 1998.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO.
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