Educação: cortando o "S" da crise

Educação e Pedagogia

01/12/2015

Por Mozart Neves Ramos*

O sucesso do Plano Nacional de Educação (PNE) passa necessariamente pela implementação do regime de colaboração, realizada pelas três esferas administrativas de governo em parceria com a sociedade civil organizada. O exemplo mais recente tem sido a construção de uma Base Nacional Comum (BNC), na perspectiva de estruturar um currículo para a educação básica capaz de responder aos desafios impostos pelo século 21. Estamos vivendo um momento muito difícil em função da grave crise política e econômica por que passa o Brasil. Os efeitos negativos se fazem sentir em todas as áreas responsáveis pelo seu desenvolvimento. O pior é que, segundo especialistas, a crise ainda não alcançou o ápice, e tudo leva a crer que 2016 será ano mais difícil do que 2015.

Numa área de forte capilaridade social, como a educação, seus efeitos são mais sentidos do que em outras, e os resultados de médio e longo prazo podem ser irreversíveis. Uma das consequências do cenário de fortes cortes orçamentários e baixa arrecadação pode ser o não cumprimento das metas do PNE, o que seria um desastre social para o país, pois grande parte delas dialoga ainda com os desafios educacionais não superados do século 20, como o analfabetismo de crianças e jovens. Estamos, assim, diante de cenário que pode impactar a vida futura da atual geração de brasileiros, que será tão necessária para enfrentar, por exemplo, a perda do bônus demográfico e o aumento acelerado do custo da previdência social. O que fazer? Esperar o epicentro da crise e comprometer o futuro do próprio país, ou cortar o s da crise? — “crie”, como diz o publicitário Nizan Guanaes.

Optando pelo segundo caminho, podemos nos inspirar no próprio PNE, no art. 7º, § 7º, que trata da implantação do regime de colaboração por meio dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs). Desde a implementação, em 2009, muito se tem aprendido por meio desse trabalho em rede, envolvendo municípios de um dado território geográfico — que, ao identificar desafios comuns no campo da educação, como a formação de professores, começam a desenvolver ações em parceria com a sociedade civil organizada, para enfrentá-los e melhorar, assim, a qualidade do ensino público. O mais tradicional e bem-sucedido vem de Votuporanga, região noroeste de São Paulo, envolvendo cerca de 40 municípios. Quando começou eram apenas 17.

O mais recente dos arranjos começa a ser implantado na Grande Florianópolis, envolvendo 22 municípios, com apoio direto do Instituto Positivo, em parceria com o movimento A Indústria pela Educação, da Federação das Indústrias de Santa Catarina. Para as grandes cidades, é possível também estruturar modelo de atuação em rede, tomando como referência os ADEs. Isso ocorreu na cidade de Recife, que se organiza territorialmente por meio de seis regiões político-administrativas, as RPAs, para formulação, execução e avaliação permanente das políticas e do planejamento governamentais. Nesse modelo, cada RPA toma a forma de um município — e a Secretaria de Educação do Recife contratou um gestor para cuidar de cada RPA. A gestão dos resultados é feita de forma colaborativa entre a secretaria e o Instituto Ayrton Senna, já que o processo de atuação em rede por via das RPAs foi pensado pelas duas instituições.

Em época de margens estreitas de capacidade financeira — de vacas magras, como se diz popularmente —, o caminho natural é trabalhar mais do que nunca em colaboração para buscar soluções para o bem comum. E é isso que os arranjos podem promover, em consonância com o próprio PNE. Ao identificar problemas e desafios comuns em dado território, é possível ter mais chances de sucesso trabalhando em colaboração, em rede, com mais foco no uso dos recursos e melhores processos de organização e planejamento. Isso pode inspirar os municípios na construção futura de Planos Regionais de Educação — algo inovador que poderia modernizar a gestão pública. O que estamos esperando?

 

(*) Mozart Neves Ramos é diretor do Instituto Ayrton Senna. Foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e secretário de Educação do Estado de Pernambuco. É autor de Educação brasileira: uma agenda inadiável, livro recém-lançando pela Editora Moderna e a Fundação Santillana

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