31/03/2009
Autopercepção de crianças desatentas no ambiente escolar
Self-perception of inattentive children in the school environment
Josiane Maria de Freitas TonelottoI; Vanda Maria Gimenes GonçalvesII
IProfessora doutora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
IIProfessora doutora da Universidade Estadual de Campinas
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RESUMO
Este estudo é parte de um estudo maior sobre crianças desatentas e seus comportamentos no ambiente escolar, cujo objetivo foi identificar crianças desatentas e verificar como se percebem no ambiente escolar. Os dados foram coletados em entrevistas individuais com os 127 sujeitos participantes e suas professoras. A análise dos dados definiu dois grupos distintos, um em que os problemas de atenção foram identificados e outro em que isto não ocorreu. Observou-se a presença de maior número de atitudes negativas em relação a si no grupo de crianças com problemas de atenção, o que, provavelmente, colabora para as dificuldades encontradas na escolaridade formal; a identificação dessa condição amplia as possibilidades de intervenções que auxiliem no dia-a-dia da sala de aula.
Palavras-chave: Déficit de Atenção, popularidade e rejeição.
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ABSTRACT
This study is part of a larger study on identification of inattentive children and their behaviors in the school environment, its object having been to identify inattentive children and verify how they perceive themselves in their school environment, relating this aspect to lack of attention. Data were collected in a government school of fundamental teaching and the sample consisted of 127 school children of the first grade. This data collecting was done by means of individual interviews with the subjects and with their teachers. The data analysis defined two distinct groups, one in which the problems of attention were identified and the other, in which this did not happen. The presence of a greater number of self-oriented negative attitudes was observed within the group of children with attention problems, which, on its turn, probably collaborates to the difficulties found in their formal schooling. The identification of this condition broadens the possibilities of intervention capable of minimizing the problems faced daily in the classroom.
Keywords: Attention's Deficit, popularity and rejection.
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INTRODUÇÃO
Um dos fatores que apresentam grau considerável de interferência na aprendizagem é a maneira pela qual os escolares se vêem ou se percebem, traduzindo o conceito que têm de si mesmos. Trata-se de um fator de ordem interna e intrapessoal capaz de interferir na aprendizagem, dificultando a consecução das metas da aprendizagem escolar. A forma pela qual os seres humanos se percebem e se avaliam constitui-se numa poderosa necessidade humana, que contribui de maneira essencial para o seu desenvolvimento.
O senso do eu é muito valorizado nas culturas ocidentais, dando-se à identidade e à privacidade uma grande importância durante o processo educacional e de desenvolvimento; esse processo se inicia antes mesmo dos 18 meses de vida, quando um bebê demonstra capacidade de auto-reconhecimento e, em seguida, à medida que sua linguagem se aprimora, torna-se capaz de se auto-descrever, iniciando o que pode ser denominado autoconceito.
Para Salvador (apud Jorge, 1996, pg. 86), autoconceito refere-se ao "conjunto de características, atributos, qualidades e deficiências, capacidades e limites, valores e relações que o indivíduo reconhece como descritivos de si e que percebe como dados de sua realidade". Trata-se de um termo utilizado para localizar uma fase inicial da infância, quando a criança consegue apenas descrever a si própria e aos outros, sem que se coloque valor nestas descrições.
A partir dos sete anos de idade, inicia-se um processo de valorização dos atributos que até então conseguia descrever; esse caráter avaliativo que vão desenvolvendo passa a denominar-se auto-estima, referindo-se à imagem que têm de si mesmas, com senso de valor (Bee,1997, Newcombe,1999). A auto-estima é determinante da conduta humana e influi para que a pessoa desenvolva todas as suas capacidades, sendo necessário para tal que ela se sinta segura, querida, protegida e aceita no meio em que vive e nos grupos sociais que partilha, já que é um juízo global de autovalia, capaz de definir o quanto se gosta da pessoa que se percebe ser.
O comportamento é fortemente influenciado pela auto-estima, de tal forma que, quando se verifica a presença de auto-estima positiva ou elevada, é provável que esteja associada ao êxito e segurança e quando se verifica a presença de auto-estima negativa ou baixa é provável que se verifique também o fracasso, pela presença de sentimentos de insegurança e confusões (Bee,1997).
Pesquisas sobre auto-estima e desem-penho acadêmico demonstram comprovada correlação e, embora não seja permitido afirmar a existência de uma relação causal entre ambas, é possível verificar a simultaneidade de ocorrência da baixa estima e do desempenho acadêmico deficiente (Palacios & Hidalgo, 1995, Mcevoy, 2000). Avaliar a auto-estima de crianças é tarefa difícil, à proporção que, conforme o relato de aspectos negativos de si próprias não é considerado algo rotineiro e se traduz no principal obstáculo para a avaliação (Newcombe,1999).
De outra forma, a verificação de auto-esti-ma positiva é percebida como fator essencial ao êxito escolar, à adequação nas relações sociais e à qualidade da saúde mental. Chung et al.(1998) afirmam que a concepção de sucesso ou a realização das metas afetam a performance dos comportamentos pró-sociais de uma criança, assim como o quanto ela se percebe adequada ou eficiente em relação aos outros e o quanto os outros a fazem perceber-se como melhor, influencia suas relações sociais.
Comportamentos anti-sociais e baixa auto-estima são comuns entre crianças que experimentam dificuldades ou distúrbios de aprendizagem e isto ocorre especialmente para crianças desatentas, que freqüentemente são rotuladas por pais, professores e colegas como inadequadas e exibidoras de comportamentos bizarros e inusitados (Leung et al.,1994, Kessler,1996). Nas manifestações mais severas da falta de atenção os problemas de socialização e de baixa auto-estima são os mais comuns (O'Connel, 1996; Shaywitz et al,1997; Birch & Ladd, 1998; Merrell, 2001; Souza et al; 2001).
Habitualmente para avaliação da auto-es-tima de crianças desatentas, são realizados estudos longitudinais, comparando crianças com e sem problemas de atenção, como é o caso de Herrero (1994), que pesquisou, além da auto-estima, a presença de comporta-mentos anti-sociais, com tipologia diversificada e em diferentes faixas etárias, concluindo que o tipo de dificuldade de atenção interfere na auto-estima, ou seja, crianças desatentas e hiperativas percebem-se de forma mais negativa do que aquelas que são apenas desatentas. Souza et al. (2001) examinou 69 crianças com TDA, com e sem hiperatividade, verificando que a presença de hiperatividade ocorre concomitantemente com a baixa aceitação social e baixa auto-estima, embora o desempenho acadêmico, apesar de prejudicado, seja melhor que o apresentado por crianças apenas desatentas.
Estudos de Hoza et al. (1993, 2001), a respeito da autopercepção de crianças portadoras de problemas de atenção, apontam para o fato de que elas preferem responsabilizar-se pelo seu sucesso a terem que assumir as responsabilidades por seus fracassos, embora, de uma forma geral, não se sintam piores que os demais e a persistência diante do fracasso pudesse ser uma forma de auto--preservação. Villar & Polaino- Lorente (1994) destacam que especialmente as manifestações de hiperativi-dade associam-se à auto-estima negativa, sobretudo quando também está presente a depressão, pela falta de adaptação social com seus pares ou iguais.
A auto-estima envolve dois tipos de análise ou juízo resultantes da discrepância existente entre o que se gostaria de ser e aquilo que se pensa que é; quando a discrepância é grande a análise feita leva a uma auto-estima negativa, outro tipo de análise ocorre quando esta discrepância é pequena e o resultado é a auto-estima positiva (Bee, 1999).
Yasuko & Yuji (1997) verificam que as atitudes da mãe influenciam fundamentalmente as habilidades sociais em casa; essas por sua vez, influenciam as habilidades sociais na escola e as habilidades sociais na escola definem o grau de popularidade ou rejeição das crianças no ambiente escolar. Além da mãe, a professora também influencia na constituição do autoconceito e da auto-estima.
A forma com que um aluno se percebe depende muito da qualidade da relação que o mesmo mantém com seu professor; essas relações são melhores quando se observa por parte dos alunos comportamento cooperativo e responsável (Cubero & Moreno, 1995). Alunos disruptivos, agressivos e com poucas habilidades sociais costumam ser menos valorizados por seus professores (Wentzel,1991).
Desta forma, verifica-se que a convivência na família e na escola possui papel central no desenvolvimento dos seres humanos, não só porque lhes garante a sobrevivência física, mas porque os leva à autonomia, através de processos como o conhecimento que cada indivíduo tem de si próprio e dos outros.
Quanto às dificuldades na manutenção de relações positivas com os pares ou iguais, observa-se que crianças com falta de atenção apresentam inadequação na utilização de regras que, dificilmente, são seguidas; como conseqüência, a interação no dia a dia e a realização de trabalhos em grupo costumam ser conturbadas, com a presença de comporta-mentos perturbadores, intrusivos, imaturos e provocatórios, levando-as a serem rejeitadas pelos colegas, que preferem brincar, estudar ou mesmo trabalhar em grupo, evitando a convivência com elas (Tonelotto, 1998).
A impopularidade que essas crianças experimentam conduz à privação de interação positiva com outras crianças, cabendo destacar que a maior parte dos motivos dessa impopularidade pode não estar sob controle; as dificuldades em auto-regular comportamentos agressivos ou mesmo a imaturidade não são percebidas facilmente; verifica-se uma tendência em simplificar os estímulos para que sejam evitados os emocionalmente carregados, permitindo que os fracassos sejam menos percebidos, através da não percepção ou distorção das informações, o que dificulta a superação dos problemas de forma geral (Cotugno,1995).
Crianças que experimentam rejeição constante por parte de seus pares ou iguais levam essa experiência, considerada negativa para suas vidas, para os mais diversos contextos em que se acha inserida. Estudos a respeito da rejeição foram conclusivos ao afirmar que a mesma predispõe não apenas ao baixo desempenho escolar, mas também a transtornos de conduta na escola, na família e no ambiente social, capazes de prever problemas a longo prazo, tais como envolvimento em roubos (Mussen, 1995; Newcombe,1999).
As dificuldades comportamentais manifestadas nos diversos contextos constituem-se freqüentemente em fracassos na vida social, emocional e principalmente acadêmica. Considerando-se que a escola e a família são instituições sociais de grande importância no período de escolarização, essas crianças enfrentam muitos obstáculos, pois não são tidas como adequadas, nem na relação com a família, nem com a escola, de forma que se estabelece um círculo de comportamentos no qual é muito difícil saber se alguns comportamentos são originados de ou originam outros (Cubero & Moreno, 1995; Kidd,2000).
Tendo em vista o conteúdo exposto, os objetivos desse estudo são:
· Identificar escolares com problemas de atenção no contexto de sala de aula;
· Comparar as atitudes de escolares com e sem problemas de atenção em relação a si mesmos, através de instrumento adaptado para a faixa etária;
· Verificar a popularidade e rejeição dos sujeitos estudados, relacionando estes aspectos com a falta de atenção.
MÉTODO
Situação
Os dados obtidos neste trabalho foram coletados em salas de aula disponibilizadas para tal, numa escola estadual localizada no município de Itatiba, São Paulo, com condições de iluminação e ventilação apropriadas, além de mobiliário que permitia a acomodação adequada dos sujeitos.
Sujeitos
A amostra constituiu-se de 127 escolares, alunos das cinco classes de primeira série do Ensino Fundamental, provenientes tanto da periferia quanto da área central do município, cujos pais consentiram na participação. Do total de sujeitos, 56 pertenciam ao sexo masculino e 71 ao sexo feminino, com idades variando entre seis e nove anos.
Materiais
Foram utilizados para a coleta de dados os seguintes instrumentos:
· Escala de Atitudes do Aluno com Relação a Si Mesmo (inspirada em Alencar, 1978, modificada e adaptada para a faixa etária de 6 a 7 anos). Visa avaliar como o sujeito se vê em termos de sua capacidade e da extensão de sentimentos positivos que tem com relação a si mesmo. Esta escala é composta de 11 itens, que admitem apenas dois tipos de resposta SIM e NÃO, em que para nove deles, a marcação do sim significa atitude positiva e, para apenas dois deles, a marcação da resposta sim tem significado de atitude negativa. A primeira versão continha 18 questões, que foram aplicadas e testadas estatisticamente através da análise fatorial.
· Critérios para identificação do Transtorno da Falta/Déficit de Atenção (TDA), conforme o (DSM IV) utilizado no Ambulatório de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), para detecção de dificuldades importantes de atenção. Os critérios foram apresentados à professora da classe, registrados no contexto original, sob a forma de uma lista de comportamentos a serem assinalados, quando presentes em sala de aula, voltados para os aspectos Desatenção (9 itens), Impulsividade (3 itens) e Hiperati-vidade (6 itens). Transtornos da Falta de Atenção do tipo Combinado são identificados quando existe a marcação de 6 ou mais itens de Desatenção e 6 ou mais itens de Impulsividade/Hiperatividade; para Transtorno da Falta/Déficit de Atenção tipo predominante-mente Hiperativo/Impulsivo há a marcação de 6 ou mais itens de Hiperatividade/Impulsividade e para Transtorno da Falta/Déficit de Atenção tipo Predominantemente Desatento, há marcação de 6 ou mais itens de desatenção. Os sintomas devem estar presentes há mais de seis meses, além de terem surgido antes dos sete anos e apresentarem definida interferência no funcionamento social e acadêmico.
· Sociograma (conforme utilização de Iverson & Iverson, 1996). Instrumento utilizado para verificar a popularidade e rejeição dos sujeitos pelos colegas. É composto por duas questões a serem respondidas; a primeira questão refere-se à indicação de três colegas com os quais a criança prefere brincar e/ou trabalhar nas atividades de sala de aula. A segunda questão refere-se à indicação de três colegas com os quais ela evita brincar e/ou trabalhar nas atividades de sala de aula. A cada marcação é atribuído um ponto, tanto para um aspecto quanto para outro.
Procedimento
Coleta de dados
Os dados foram coletados no segundo semestre letivo, através de entrevistas com a professora e diretamente com os sujeitos:-
a) professora: cada professora recebeu um envelope contendo a lista para verificação da existência do Transtorno da Falta/Déficit de Atenção do DSM-IV, relativa a cada um dos alunos. Todas as orientações para o preenchimento adequado do formulário foram oferecidas, incluindo que se confirmasse junto aos pais, os comportamentos exibidos, quando o item exigia e/ou quando 6 ou mais itens eram assinalados em cada categoria para a identificação do Transtorno da Falta/Déficit de Atenção;
b) sujeitos: foram realizadas 02 sessões individuais com os sujeitos, com duração variável de sujeito para sujeito, em média de 30 minutos, já que não se tratava de provas com limitação de tempo. As sessões foram realizadas durante o período de aula, garantindo--se o não prejuízo das atividades curriculares e destinaram-se à aplicação da Escala de atitude em relação a si mesmos e Sociograma.
Tratamento dos dados
A partir dos dados obtidos pela professora com a utilização dos critérios diagnósticos propostos pelo DSM-IV para identificação do TDA (DSM-IV,1994), formaram-se dois grupos de sujeitos: um em que os problemas de atenção foram identificados, denominado GA (23 sujeitos), e outro em que isto não ocorreu, denominado GB (104 sujeitos).
Na classificação dos dados relativos aos aspectos positivos em relação à autopercepção dos sujeitos no ambiente escolar, as respostas foram pontuadas em 0 (zero) ou 1 (um), de acordo com a alternativa escolhida. Os sujeitos dispunham de duas alternativas de respostas, "sim" ou "não". Para as respostas favoráveis foi atribuído um valor 1 (um), que correspondiam a um sim ou não, dependendo do item em questão. No conjunto de 11 itens, em 08 afirmativas o sim foi pontuado com valor 1 (um), e em duas afirmativas negativas a resposta não foi pontuada com valor 1 (um).
A somatória do total de pontos obtidos no conjunto de 11 itens correspondeu ao escore total, tendo-se por este critério que quanto maior a pontuação, melhor a percepção que a criança tinha de si mesma no ambiente escolar. Os grupos foram comparados através do escore total e em cada um dos itens. Em seguida, os dados foram quantificados e procedeu-se com a análise estatística através do Teste t de student, indicado para comparar médias de 02 amostras independentes e do Teste de Fisher indicadas para comparar freqüências esperadas e obtidas.
Quanto à escala sociométrica, houve atribuição de pontos de acordo com a marcação feita pelos sujeitos para aceitação e rejeição, de forma que quanto maior o número de marcações, maior o grau de aceitação ou rejeição.
RESULTADOS
Inicialmente serão apresentados os dados da avaliação total obtidos na Escala de Atitude em relação a si mesmo com relação ao escore total comparando-se os grupos e em relação à discriminação dos itens. Em seguida, serão apresentadas as pontuações dos dois grupos relativas à aceitação e rejeição pelos colegas para situações escolares. Nesse estudo, o GA foi composto por 23 sujeitos e o GB por 104, conforme descrito anteriormente.
Observa-se diferença significativa entre os dois grupos relacionada ao escore total, considerando-se p<0,001. O GA obteve pontuação menor que o GB, caracterizando uma avaliação mais baixa em relação à autopercepção no ambiente escolar. Na Tabela 2 são apresentados os itens da Escala de Atitudes em relação a si mesmo.
Pode-se observar que, dentre os 11 itens apresentados, em 9 deles foi possível identificar diferenças entre os grupos, com significância estatística, considerando-se as porcentagens observadas para respostas positivas.
Os dados da Tabela 3 permitem que se observe que o grupo A teve maior marcação para rejeição e menor marcação para aceitação em relação ao grupo B e que as médias de marcação para rejeição foram mais significativas.
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