24/10/2012
Durante a trajetória de vida o indivíduo constrói seu desenvolvimento por meio de percepções e estímulos. A depender de suas interpretações organiza-se para sobreviver em um meio ambiente exigente, que muitas vezes o força a agir e corresponder a essas expectativas de maneira fragmentada, exclusivista e parcial.
Por conta disto, ele pode deixar, desde a infância, de extrair elementos que proporcionem um maior aproveitamento de sua mente contemplativa; tolhido de sua sensibilidade perde a atenção abrangente, fluídica e sensível, negando quase sempre seus sentimentos, sensações e intuições. Deste modo, a criatividade natural que ele possui corre o risco de não se manifestar, já que seu comportamento passa a ser modelado para se viver numa sociedade de consumo, onde o "espetáculo da ilusão" é a referência.
Obviamente, este homem assume a posição de um guerreiro que luta desesperadamente para vencer as doenças do corpo e da psique, tão nitidamente marcadas pela inconsciência de seus atos. Segundo Bernardo (2008), o homem moderno vem aos poucos se desconectando de sua vida interior e uma das formas de resgatar este contato é pela via simbólica. A autora enfatiza que renovar este contato é "estabelecer um relacionamento significativo com as forças arquetípicas que nos constituem como ser, convidando-as a participar de nossa vida, o que a engrandece e renova"; oferece assim, oportunidade para compreender a sabedoria contida nas experiências vividas. (BERNARDO, 2008, p. 14).
Bernardo também pontua que pelo intercâmbio da energia psíquica entre a mente consciente e a inconsciente é possível restabelecer as condições necessárias para que a consciência atualize os diversos potenciais contidos em todos nós. Deste modo, encontramos na arte terapia o meio propício para que estes potenciais aflorem, pois os recursos expressivos, quando propostos de forma criteriosa e condizente com o objetivo terapêutico, podem viabilizar a conexão entre o mundo interior e o exterior, enriquecendo a qualidade de vida da pessoa. Levando em conta estas questões, a minha experiência como psicoterapeuta e coordenadora de processos grupais em oficinas de criatividade, somada à significativa aprendizagem no curso de Arteterapia, tendo como base a teoria Junguiana, evidencio um estudo de caso de um paciente cuja queixa principal era o medo exacerbado para se defender de um processo administrativo. Segundo ele a acusação à sua pessoa partia de homens de grande poder político e que manipulavam a cidade onde residia. Este medo era acompanhado de baixa autoestima, pensamentos negativos, mau humor quase constante e dificuldade de concentração.
A partir de atendimentos individuais focalizados em aplicações de recursos arte terapêuticos foi possível ajudá-lo a enxergar limitações e potencialidades oportunizadas pela consciência de que somos muito mais do que simplesmente, um corpo e uma cabeça que pensa: somos energia e vibração. Neste sentido, sem pretender articular possíveis significados ou querer buscar verdades absolutas, utilizamos em meio às oficinas arteterapêuticas, alguns recursos de sensibilização dos chakras que estão no eixo de nosso corpo, com suas cores brilhantes tal qual um arco-íris que nos equilibra e nos vincula da terra ao céu. Woodroffe (1979), citado inclusive por Jung, como um dos maiores conhecedores sobre os chakras, que viveu no início do século XX e que traduziu para o inglês diretamente do sânscrito as escrituras clássicas indianas sobre este tema, refere que os chakras são como portais de passagem entre as diversas dimensões, também chamados de rodas de energia.
Diz ele que o corpo possui sete chakras principais que são responsáveis pela captação e utilização da energia sutil, transformando-a em energia utilizável na composição humana. Segundo o autor, esses chakras estão diretamente relacionados às glândulas endócrinas e ao bem-estar psicofísico da pessoa. Caso o fluxo energético se desequilibre, isso pode redundar no surgimento de doenças orgânicas, mentais e emocionais. Da mesma forma, Jung (1999) na apresentação de um seminário proferido no ano de 1932, posteriormente editado pela universidade de Princepton, pontua que os chakras não são apenas simples centros energéticos, mas também são centros de consciência. Segundo este autor, os chakras são pontos nos quais as forças psíquicas do corpo se interpenetram, situando-se a sede da alma nos locais em que o mundo exterior e interior se unem. Funções e imagens arquetípicas específicas são expressas através de cada chakra.
Os sete chakras constituem a matriz psíquica em que a configuração do corpo-mente é criada. Seria como uma interconexão entre a composição espaço-temporal do ego e a dimensionalidade de estados mais profundos da psique. O autor coloca que: "Os chakras são mundos de consciência, de desenvolvimentos naturais, um acima do outro. Existe uma realidade psíquica, é um mundo de substância psíquica, se podemos aplicar tal termo. Assim, outro ponto de vista para explicar a série de chakras seria subir a partir de matéria bruta para a matéria sutil. E a única coisa que une todos eles, que expressa todos eles, é o conceito de energia". (JUNG, 1999, p.43) Neste seminário Jung deixa claro que cada chakra refere-se a um número de experiências que estão relacionadas com símbolos arquetípicos, os quais se encontram no domínio do inconsciente onde existem aspectos universais e impessoais, e continua explicando que: "...os chakras, no entanto, são símbolos. Eles reúnem em forma de imagem complexa e multiforme ideias e fatos. Eles simbolizam um complexo altamente psíquico. São, portanto, de grande valor para nós, porque representam um esforço real para falar sobre uma teoria simbólica da psique". (JUNG, 1999, p.60-61) O autor continua sua explicação dizendo que o sistema dos chakras é criado a partir de um ponto de vista que transcende o tempo e o indivíduo, e completa: "Os símbolos dos chakras, então, dão-nos uma perspectiva que se estende além do consciente. Eles são intuições sobre a psique como um todo, sobre suas condições e possibilidades. Eles simbolizam a psique do ponto de vista cósmico.
É como uma supraconsciência, uma abrangente consciência divina". (JUNG, 1999, pg. 65) Diante destas considerações é importante enfatizar que a função do arteterapeuta é estar aberto à amplitude das diversas linguagens que estão disponíveis para cada caso. E, de certa forma, a relação com a arte possibilita uma gama imensa de recursos que podem ser utilizados para promover a transformação necessária ao cliente que pede ajuda. Partindo desta premissa ouso tecer considerações sobre o conhecimento dos chakras, o que muito tem a acrescentar na dinâmica arteterapêutica. É exatamente por acreditar nisso que compartilho das palavras de Ginger e Ginger (1995, p. 83): "o que realmente importa não é descobrir de qual mina foi extraída uma pedra preciosa, mas se ela encontrou seu lugar no colar: é a coerência e não a origem das técnicas que constitui o valor dos métodos". Nestes multivariados recursos que estão à disposição do arteterapeuta abrem-se possibilidades para experimentar o novo, ou melhor, ampliar um olhar diferente para estabelecer o equilíbrio que dá ao outro a condição de escolha para ser o que ele é. É, assim, um fazer terapêutico que se torna o elemento transformador do homem e consequentemente do mundo que o cerca.
Neste pressuposto iniciamos uma experiência que aos poucos construiu uma relação aberta às novas manifestações que surgiam e ao mesmo tempo surpreendiam aquele paciente que, conforme suas próprias palavras, pouco conhecia sobre si mesmo. Enquanto os encontros aconteciam percebíamos as combinações das polaridades manifestas em sua típica intensidade, as oposições marcadas pela sombra, que o assustava, mas também lhe possibilitava acessar o potencial para reconstruir a sua integração psíquica. Desta maneira, o objetivo deste artigo é apresentar a evolução do caso na qual os recursos arteterapêuticos somados ao significativo conhecimento dos chakras puderam conduzir este paciente a ampliar sua visão de mundo, para possibilitar uma significativa evolução em sua qualidade de vida. Relato do Caso Passo agora a relatar o processo realizado com J. L., homem de 59 anos de idade, aposentado, casado, quatro filhos adultos.
Procurou atendimento terapêutico, e apesar de já participar de oficinas de criatividade com um grupo de estudo sobre os chakras, foi orientado para atendimentos individuais, que possibilitariam melhor compreensão de seu caso e criação de um vínculo seguro, ficando claro que nada impediria sua continuidade participativa no grupo destas oficinas. Bernardo (2008) refere sobre a importância de estabelecer o vínculo terapêutico em ambiente propício e acolhedor, que oportunize o levantamento da história de vida, que possibilite perceber as necessidades do desenvolvimento da pessoa e sua inclusão de forma ampla no contexto do trabalho arteterapêutico. Ademais, a mesma autora ainda corrobora que é no processo arteterapêutico que se pode "estabelecer um canal de comunicação com os elos ancestrais que estão na base de nossa existência e que fornecem à nossa consciência as condições necessárias para a sua ampliação, atualizando nossos potenciais e nos enriquecendo como ser" (BERNARDO, 2008, p. 13-14).
A partir das queixas do paciente definiu-se qual seria o melhor caminho a seguir e que instrumentos seriam utilizados nos encontros. Iniciamos, então, uma viagem fascinante com a arteterapia, utilizamos alguns recursos que permitiram o resgate da autoestima e fortalecimento da força interior desse paciente. Entremeado a estes recursos mais específicos utilizou-se a respiração abdominal, que trabalha um melhor contato com o corpo e com os chakras inferiores, bem como músicas de sons tribais com o mesmo intuito. Logo no início da conversa, no primeiro contato individual, sem que nada fosse perguntado, o paciente proferia suas queixas de forma intensa, o que muito ajudou na compreensão de sua ansiedade tão presente em suas manifestações comportamentais. Esta forma ansiosa de se comunicar demonstrou seu forte desejo de ajuda, pois ele próprio dizia-se impossibilitado de resolver seus conflitos.
As queixas eram claras, evidenciadas por gestos manuais agitados e expressão corporal inquieta. Percebia-se perfeitamente a sua necessidade de ser ouvido. O paciente fazia alusão a um incômodo muito grande com os pensamentos negativos, com características de pessimismo exacerbado e a preocupação em como iria se defender do tal processo se ele próprio não acreditava mais em suas possibilidades. Afirmava categoricamente: "o sonho acabou" (SIC). Desta feita, observou-se que a dificuldade e o sofrimento desta pessoa eram de grande impacto sobre sua vida, pois se colocava em posição de vítima, conforme sua própria fala. Depois da anamnese iniciou-se um processo entremeado de técnicas arteterapêuticas em que o fazer criativo mesclou expressividade criativa, exercícios respiratórios, som de músicas com ritmos calmos, e em outros momentos ritmos marcantes, como os tribais. Segundo Lévi Strauss (1975) tanto a música quanto a dança tribal permitem a liberdade criativa. Durante os encontros foram sugeridos exercícios corporais, pois a atenção ao corpo poderia tornar possível a reestruturação da psique, das emoções e dos sentimentos.
Conforme relata Guertzenstein (2004): "A dissociação corpo-mente é muito grande e nos afasta de nossa essência, temos assim que voltar para nossos instintos, nossas necessidades básicas, nossos sentidos primários, nosso ser como um todo, como um mundo. Temos que nos voltar para dentro, nosso corpo, nossa psique, nossas emoções e ao mesmo tempo nos perceber como um ser social, ambiental e espiritual". (p. 60) A autora acrescenta que as transformações são possíveis quando as vivenciamos no corpo. Por isto, foi utilizado como técnica arteterapêutica, o movimento corporal com a intenção de também sensibilizar os chakras do paciente.
Segundo Jung (1999), no mesmo seminário acima citado, cada chakra tem correspondência com um nível de consciência e com uma função psíquica. Bernardo (2008) pontua sobre as quatro portas pelas quais captamos o mundo, ou seja, as quatro funções da consciência descritas por Jung: pensamento, sentimento, intuição e sensação. Ela quer dizer que por sermos diferentes uns dos outros, nossa tendência é entrar em contato com qualquer experiência preferencialmente por uma dessas quatro portas, e depois abrir as outras, porém como tudo tem uma dimensão simbólica, a disposição é potencializar experiências de vida através "de como percebemos o que nos acontece". (BERNARDO, 2008, p. 95)
Logo que os exercícios respiratórios e corporais correspondentes aos chakras foram sugeridos, J. L. comentou sobre sua dificuldade em soltar o corpo, em respirar, pois percebia sua respiração curta e rápida e muita rigidez corporal da cintura para baixo. Ele verbalizava que parecia que seus pés e pernas não estavam conectados ao resto do corpo e que sentia medo da concretude, ou seja, quando encarava a realidade as sensações eram dolorosas, abalava suas convicções e tolhia suas necessidades. Por isso, somente sentia segurança ao ficar longe de tudo quanto lhe afligia.
Com estes comentários (relatados acima) feitos pelo paciente, foram sugeridos exercícios para a região do primeiro chakra, mais conhecido como chakra básico. Jung (1999) comenta que este é o centro fundamental, pois nele o mundo dos instintos está presente, é associado ao nível mais primitivo ou instintivo da psique, sendo que a função psíquica correspondente a esse chakra seria a sensação. Baseada nisso propus ao paciente fazer movimentos corporais marcados pelas músicas tribais para possibilitar um maior contato com essas partes do corpo, principalmente pés e pernas.
A partir desse exercício evidenciou-se a necessidade do contato com o elemento terra (argila). Conforme os sons dos tambores aconteciam durante a música, os movimentos de J. L. fluíam mais livremente, o que lhe possibilitou explorar sensações que percebia como algo novo e diferente. Além disso, propôs-se o contato com a argila num simples amassamento manual. Segundo Pain (2001, p. 106) a argila está diretamente relacionada ao quotidiano de todos nós, sendo "símbolo de nascimento, vida e morte", e um suporte para os nossos afetos. Bernardo (2009) coloca que o contato com este elemento trabalha a função sensação, o que favorece a melhor elaboração de assuntos relacionados ao corpo, ajuda-nos a tomar posse daquilo que nos pertence para aprendermos sobre os limites de todas as coisas.
Podemos também encontrar referências em relação a estes aspectos nos estudos do chakra básico, o qual está relacionado ao enraizamento e aguçamento das sensações de prazer. Segundo Fagali (2004) a harmonização do chakra básico pode ser acionada pela utilização de recursos plásticos associados à argila e contato com os pés e pernas em suas variadas expressões. Em outro encontro sugeriu-se a pintura das emoções, ou seja, que o paciente representasse de alguma forma, pelos materiais oferecidos (lápis de cor, giz de cera, lápis preto e cinco folhas de sulfite), os sentimentos: tristeza, raiva, medo, alegria e paz. A intenção era permitir um maior contato com sensações e sentimentos. No primeiro desenho da "tristeza", J. L. representa um desmoronamento (uma tempestade de raios que desaba sobre seus sonhos).
No segundo desenho, da "raiva", ele deixa clara a sua impotência "frente aos algozes" (SIC), como ele próprio escreve e acentua em sua fala o quanto se vê pequeno diante do grande. Sobre o terceiro trabalho, relativo ao "medo", o paciente verbaliza enfático "a culpa de ser apontado, caluniado, difamado publicamente" (SIC). Já nos dois últimos desenhos, que representavam "alegria e paz", J. L. mostra os desejos retratados por sua escrita sobre o desenho: "conhecer outras histórias, atingir liberdade junto a sua família e a natureza, ser livre" (SIC). Conforme a conversa prosseguia, J. L. revelava os significados das sensações e sentimentos que identificava nos desenhos.
Para ele os sentimentos de raiva e medo estavam relacionados "à fraqueza" (SIC) e que ele se sentia como "João diante de um gigante enorme lá no céu" (SIC), por isto mesmo não tinha mais forças para se defender. Ele afirmava categoricamente que não acreditava que fosse possível resolver tal aflição, apesar de todas as contingências estarem em seu favor. Diante desta fala, na sessão seguinte propus ao paciente a confecção de um trabalho expressivo a partir do conto: João e o Pé de Feijão. Afinal, os mitos e contos, segundo Von Franz (2003), são uma valiosa via de comunicação entre os arquétipos e o inconsciente individual. Depois de ouvir a história J. L. comenta: "Essa história era contada por minha mãe quando eu era criança!..." (SIC) Foi sugerido então que ele representasse como quisesse o que ouvira na história, com os materiais disponíveis - argila, sementes, fios, contas, cola, papéis, lápis de cor, pinceis e guache. Dentre todos os materiais ele escolheu a argila e sementes, iniciou com um amassamento, e aos poucos ele retratou na argila a história conforme se pode ver abaixo. É interessante notar aqui que J. L. envolveu-se de tal maneira com o elemento terra que deixou claro seu bem-estar que há muito tempo não sentia
De olhos fechados, amassava o barro e dizia: "Tenho muito prazer em mexer com as mãos na terra molhada, me faz lembrar a infância" (SIC). Enquanto ele trabalhava com a argila, ao fundo uma música com sons que evocavam os elementos da natureza preenchia o ambiente. Assim foi até concluir sua obra, momento em que ele próprio se dá conta de sua expressão criativa. Neste contato, reflexões foram evocadas pela facilitadora, a respeito da relação entre o pequeno na luta contra o grande, contido no conto de João contra o gigante e nos próprios desenhos, na referência de sua impotência contra os algozes. Passados alguns dias J. L. retorna ao contato arteterapêutico e relata algo inusitado: "Olhe!... tirei uma foto de um feijão que nasceu no vaso de orquídea lá de casa, que se encontra numa janela muito alta. Como foi nascer ali?" Estou espantado, pois acho que isto é um sinal; é um feijão trepador, que cresce muito, mas num vaso de orquídeas que nem terra tem? São somente pedriscos e fibras, como foi nascer ali?(SIC)" Seus comentários eram enfáticos, estava muito entusiasmado, pois sentia que aquele feijão indicava que a ele também seria possível vencer a batalha contra o tal poder que referia.
Ele dizia: "De alguma maneira vou encontrar uma saída, pois a história relata um menino pequeno que vence um gigante!... ora eu acho que eu estou colocando aquelas pessoas que me oprimem como gigantes, mas eles não são. (SIC)... minha mãe quando contava esta história frisava bem, que nós precisamos acreditar nas possibilidades que a vida nos dá". (SIC) Para J. L. evidenciava-se uma saída, estava encantado com suas descobertas. Sua autoestima e autoconfiança parecem ter aumentado, pois estava mais comunicativo, além do que, forças parecem ter sido evocadas, provenientes de sua própria natureza criativa e flexibilizadas pelos movimentos corporais, exercícios respiratórios e da própria expressão artística que o ajudaram a construir seu mito pessoal com características diferentes, mais adaptáveis ao seu momento de vida e que o libertaram do medo de se defender junto ao processo pelo qual estava sendo acusado.
Discussão e Resultados Podemos compreender a evolução deste caso a partir de um eixo norteador do trabalho arteterapêutico pela apreciação do material - conteúdo verbal, expressão corporal e produções artísticas - que nos fez meditar sobre alguns aspectos relacionados à experiência do sujeito. É fato que alguns destes tópicos se relacionam à própria experiência intrapsíquica que naturalmente surge durante a ação criativa. Esta ação compõe uma dimensão que vai além da realidade concreta, o que pode favorecer o contato com um mundo imagético assaz valioso por conta da riqueza dos elementos simbólicos que nos colocam próximos da experiência humana. Bernardo (2008) refere que os recursos arteterapêuticos auxiliam o indivíduo a penetrar numa caminhada heróica que nos conduz ao interior de nosso ser para então retirar as ferramentas que nos ajudam a desenvolver os talentos que nos vinculam a um significado mais vasto em nossa vivência. Nas produções de J. L. e em fragmentos de sua narrativa, por exemplo, pode-se observar a amplitude simbólica que se projeta por meio da atividade artística, surgindo durante a elaboração e na sua produção final.
Nota-se que o mundo psíquico é projetado numa direção espontânea de imagens internas que não se confinam ao domínio e ao intento conscientes. Pelo contrário, as imagens são repletas de significados que se ampliam além das explicações do paciente, pois há tal complexidade perante este contato com o fazer criativo e, da mesma forma, com a realidade apresentada pela natureza dos chakras, que é impossível compreender completamente todo o fenômeno de imagens.
Assim, reconhecemos que nossa explicação também é restringida na justa medida em que fazemos parte deste mesmo universo. Segundo Pain, o lugar do arteterapeuta, "é acompanhar o processo do sujeito, ser uma testemunha de sua aventura, ajudá-lo a superar os obstáculos encontrados, considerando-os, ao mesmo tempo, de um ponto de vista subjetivo e objetivo, sem, no entanto interferir na obra criativa" (PAIN, 2001, p. 21). É importante observar que na confluência entre os recursos arteterapêuticos e a abordagem dos chakras utilizados neste estudo, surgem nas produções imagens e temas considerados universais como, por exemplo, a luta do pequeno contra o grande que pode ser uma referência arquetípica do Mito do herói, que demonstra arquetipicamente o triunfo do ego sobre as disposições regressivas.
Grinberg (2003) explica que este mito simboliza a batalha entre duas forças - a vitória da consciência sobre as energias que escravizam o inconsciente. Simbolicamente o herói representa o movimento da energia psíquica, que induz ao contato com o mundo dos desejos, das emoções e dos instintos (o inconsciente). A referência aqui se faz também na direta correspondência do chakra básico, que segundo Jung (1999) está associado ao nível mais primitivo ou instintivo da psique, contendo, deste modo, representações arquetípicas personalizadas que retratam o lugar onde a humanidade que não se dá conta de si mesma, torna-se "uma vítima de impulsos, instintos e inconsciência." (JUNG, 1999, p. 60). Por isto mesmo, a importância dos movimentos corporais e respiratórios, sons tribais e técnicas arteterapêuticas associadas ao elemento terra, como o uso da argila, que intensifica o contato com o corpo e fortalece a base estrutural do ego para promover aterramento. Bernardo (2009) relata que o contato com a argila gera uma aproximação de vínculos com "a sabedoria da psique, com o solo arquetípico de onde a nossa consciência retira o seu alimento, em forma de energia psíquica, para a sua constituição e ampliação".
É possível estar mais capacitado para acolher as novas sementes em nossa realidade quando nos ligamos conscientemente com "a dimensão mais primitiva e profunda de nosso ser". (BERNARDO, 2009, p. 23). Frisamos também sobre a força do desejo de J. L. identificada no conto João e o pé de Feijão: esta história não qualifica a opção de bem ou mal, mas deixa evidente a esperança de que os mais fracos também podem vencer. Grinberg (2003) nos diz que os desejos, bem como as idéias, são como sementes que surgem do substrato profundo de nosso ser (inconsciente), visando ampliar e explorar possibilidades. J. L. relata em dado momento o quanto a história revela o que não havia percebido: Conforme fui me dando conta da história, as lembranças voltavam a minha mente... É como se eu pudesse viver novamente aquele momento com minha mãe; amassar o barro, dar forma, colocar as sementes me dão a impressão de que vou para algum lugar onde a terra é fértil e eu planto estas sementes aí, nesse lugar. A casa da minha mãe tinha uma horta, de terra boa, todas as sementes que lá caíam germinavam...
Acho que eu tenho sementes aqui, bem dentro de mim. (SIC) Bernardo (1999, p. 223)refere que o pé de feijão faz a ligação da terra com o céu, fazendo a ponte entre "o real e o imaginário", o que possibilita retomar os tesouros roubados pelo gigante. Com os recursos que João conquista no céu do gigante, ele instrumentaliza-se para enfrentá-lo. Ao relacionar esses aspectos do conto ao caso de J. L. poderíamos quem sabe dizer que, a partir do momento que J. L. se sente motivado e capacitado com a sabedoria da psique, instrumentalizado com seus talentos e recursos internos (capacidades, motivação, força e coragem), pode enfrentar as condições adversas em que se encontra. A partir daí é possível reconstruir seu mundo com novas bases, com outros referenciais e ressignificar a própria vida. Mas, qual o caminho para este acontecimento? É importante comentar que o pé de feijão neste contexto, conforme se vê na fala do paciente, teve uma representação interessante quanto ao instrumento que possibilitou a J. L. alçar outros patamares de entendimento. Se aprofundarmos um pouco nossa compreensão é possível entender o simbolismo do pé de feijão como uma árvore que marca um eixo que conduz João da terra ao céu, à morada do gigante. Grinberg (2003) diz que todos nós possuímos um eixo que "operacionaliza a ação dos símbolos na estruturação da consciência", sendo conhecido como "Eixo Ego-Si-Mesmo".
Este "eixo é a via de comunicação entre o inconsciente e a consciência, realizada por meio de símbolos que unem esses dois sistemas". Portanto, nossas funções psicológicas atuam por intermédio deste eixo. O autor também ressalta que se um arquétipo é ativado a consciência será forçada a partir do inconsciente, obrigando-a a encontrar "naquele estágio de diferenciação uma nova interpretação que permita uma conexão da vida atual com as raízes do passado que existe em cada um de nós". (GRINBERG, 2003, p. 173) Neste trabalho com J. L., um dos enfoques foi possibilitar de alguma forma o acesso a este estágio de diferenciação por meio deste eixo, o que justifica a utilização dos recursos arteterapêuticos já citados, aliados ao contato com os aspectos psíquicos relacionados aos chakras, que permite a conexão com o eixo Ego-Self, pois conforme relata Jung (1972): "Os chakras são centros de consciência e Kundalini, a Serpente Ígnea, que dorme na base da coluna vertebral, é uma corrente emocional que une de baixo para cima e também de cima para baixo.
É uma espécie de graduação de consciência que vai desde a região do períneo até o topo da cabeça". (p. 26). Os chakras estão diretamente relacionados ao eixo estrutural do corpo, constitui-se numa ponte que liga todos os níveis de consciência, tal qual uma escala musical com a vibração do som. Jung (1972) descreve que o processo de individuação está relacionado à manifestação da kundalini, energia que percorre este eixo e interliga estes centros. A explicação de Jung sobre a Kundalini não é apenas teoria, mas produto de suas observações a respeito do movimento da vida psíquica de seus pacientes. Considerações Finais Este trabalho trouxe a oportunidade de exercer uma profunda reflexão sobre as questões relacionadas às aplicações da arteterapia e as ligações com a teoria dos chakras; oferece-nos a oportunidade de perceber os entremeios que envolvem estados psíquicos conflituosos, como os apresentados por este paciente. Por isto mesmo, no transcorrer deste estudo, meditamos muito sobre o processo arteterapêutico de J. L., o que nos induziu a algumas considerações importantes. A arteterapia é um instrumento valioso que pode nos auxiliar na análise de aspectos do mundo psíquico, o que possivelmente nos aproxima de um melhor entendimento da dinâmica intrapsíquica de J. L., a qual extrapola a própria situação de confronto que o paciente se submetia em sua experiência humana.
A via simbólica, por sua vez, ajudou a renovar o contato de J. L. com as forças arquetípicas que estão na base do crescimento psíquico de todo ser humano e proporcionou uma ressignificação de sua situação atual. O objetivo do contato significativo com o mundo das imagens, possibilitado pela utilização de recursos arteterapêuticos, pareceu beneficiar a aproximação gradual de conteúdos que se projetaram nas produções finais do caso enfocado. Destarte, os aspectos inconscientes, que talvez sobrepujem dados mobilizadores de angústia, tais como sentimentos de medo, falta de coragem e sofrimento trazidos pelo paciente, puderam aos poucos ser exteriorizados durante os encontros e se tornaram conscientes. A criação do vínculo estabeleceu uma comunicação ao nível inconsciente que possibilitou o surgimento de uma linguagem pré-verbal, que a terapeuta pôde captar de sua produção expressiva, o que influenciou a escolha adequada de técnicas arteterapêuticas que fornecessem ao paciente um caminho de elaboração simbólica. Isso deixa evidente o quanto é importante para o arteterapeuta aceitar e traduzir as necessidades do paciente em atuações e propostas de trabalho condizentes com o seu momento psicológico, levando-se em consideração suas necessidades e limitações. Na dinâmica dos encontros arteterapêuticos relatados, durante a elaboração do material trazido pelas produções expressivas, J. L. pareceu se despir simbolicamente partes de si mesmo que não lhe serviam mais em seu processo de crescimento interior, e em compensação, talvez ele tenha levado consigo conteúdos decifrados e ressignificados.
Acreditamos também que o processo criativo e de harmonização dos chakras aplicado em J. L. talvez tenha possibilitado a ele um acesso às suas capacidades e potencialidades em direção a uma maior integração e equilíbrio psíquico, o que o conduziu ao estabelecimento de relações mais saudáveis com o mundo à sua volta e com aspectos de si mesmo. É possível que as expressões artísticas tenham ajudado J. L. a ganhar mais corporeidade, pois o mundo real e o imaginário em seu entremear provavelmente derivaram em movimentos transformadores. Conhecer e trabalhar com os chakras pode propiciar ao arteterapeuta uma visão mais ampla de possibilidades contidas no universo transformador que a arte induz. Afinal, este profissional precisa estar aberto e ter disposição para ampliar seu cabedal de informações. Em uma abordagem fenomenológica, respeitar símbolos coletivos que são provenientes de experiências e sentidos atribuídos a essas experiências acumulados nas reminiscências de uma cultura, é fundamental dialogar com outros conhecimentos.
Nas práticas e reflexões onde buscamos relacionar a compreensão a respeito dos chakras à utilização de recursos arteterapêuticos, observamos que há uma direta relação entre estes dois conhecimentos que se entrelaçam de forma complementar. Neste pressuposto entendemos que os chakras constituem-se em expressões arquetípicas intimamente relacionadas com forças que atuam no desenvolvimento psíquico do ser humano, e que o arteterapeuta, com este conhecimento, pode ampliar sobremaneira seus recursos e possibilidades para aplicação terapêutica.
Portanto, compreendemos que a grande função do arteterapeuta em verdade é evocar a arte dos pequenos milagres vindos da carne e dos pensamentos luminosos, para que as qualidades virtuosas da alma se manifestem, afinal, especialistas e leigos sempre tiveram a missão semelhante: quebrar o ovo escuro da natureza e abrir as portas do desejo humano.
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Bel. Psicologia, especialista arteterapia e cursando pós Ter.Cognitivo Comportamental.
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