Não foi o avião que me trouxe - Falando sobre sexo com as crianças

A sexualidade envolve um processo de aprendizagem dinâmica.
A sexualidade envolve um processo de aprendizagem dinâmica.

Psicologia

05/11/2012

Por volta dos oito, nove anos eu perguntava à minha mãe de onde vêm os bebês, ela dizia que um avião passava e os chova jogava na barriga das mulheres e lá eles cresciam até o médico ou minha avó (que era parteira) achasse que era hora de tirá-los. Já a vizinha, que era mãe de um amigo, contava que a mulher engolia uma semente de uma melancia diferente, a barriga crescia e depois minha avó tirava a criancinha. Confesso que eu acreditava nesta teoria, e achava que era por isso que meus pais beijavam na boca. Meu pai colocava a tal semente na boca da minha mãe. Não ouvíamos falar da história da cegonha, muito menos sabíamos o que era uma.

O medo de engolir qualquer tipo semente era dividido entre minha melhor amiga e eu. Até que um dia, brincando de esconde-esconde, encontramos debaixo da cama de seus pais uma revista que na capa apresentava uma mulher nua. Curiosas, ao percebermos que ela tinha pelugem na parte íntima, resolvemos folheá-la. Olhamos foto por foto, até que encontramos algo que inicialmente, nos fez lembrar a teoria da vizinha: em uma folha a mulher da capa estava ajoelhada e um homem de pé, mas não dava para saber direito o que eles faziam. Então minha amiga disse: Sexo é quando os adultos ficam sem roupa e deitam debaixo das cobertas. Perguntei: por que a mulher está pelada e sem o cobertor? Neste instante, ela virou a página e percebemos o porquê se ajoelhava: ela fazia sexo oral! Nesse momento falei que isso era sexo e que a vizinha estava correta, mas ela não contou que nossos pais colocavam o piu-piu na boca de nossas mães. Deduzi que era assim que saia a semente, ela descia para a barriga e a mulher engravidava. Uma olhou para a outra com cara de repulsa e em couro o que nojo saiu bem alto. Fechamos a revista e saímos correndo do quarto com um milhão de perguntas rodando em nossas cabeças: para fazer sexo não precisa do cobertor e nem de ficar deitada? E se é assim que fazem os bebês, como eles saem? Enquanto ela me bombardeava de perguntas eu retrucava com afirmativas: seu pai e sua mãe fazem isso os meus também fazem isso, a vizinha faz isso, todos adultos que têm filhos fazem isso... Essa amiga chamava minha avó materna também de avó. Passado um tempo em silencio, abaladas pelo que acabávamos de ver, ela soltou uma gargalhada e disse: a avó também faz isso, faz mais que todo mundo. Não suportei guardar o riso e gargalhei também. Pois, minha avó era parteira, ela que ajudava os bebês a nascerem e nunca tinha ouvido falar em quem tivesse mais tios do que eu: dezessete. Sete biológicos e dez adotados, em um total de dezoito filhos, mas para meus irmãos e eu todos eram tios e se quer sabíamos que o significava adoção. Nesse caso, minha amiga estava com razão, minha avó fazia isso mais que todo mundo porque ela tinha um monte de filhos. Até eu descobrir a verdade, fiquei por um longo tempo com nojo da comida feita por ela. Era lindo olhá-la cozinhando naquela imensa fornalha, mas eu ficava imaginado a possibilidade dela colocar a colher na boca (suja de piu-piu) e depois de volta na panela sem que eu pudesse ver.

Aos treze anos quando tive a menarca, assustada resolvi conversar com a professora de ciências e neste dia ela resolveu falar sobre reprodução e educação sexual. Pelo fato de ter crescido no interior, tive uma infância repleta de inocências. Mas, fiquei furiosa com minha mãe ao saber como era feito os bebês e incrédula ao saber por onde eles saiam! Não vou falar minha idade, mas sou mais jovem do que pensa e afirmo que essa história não faz muito tempo. Hoje, já adulta e trabalhando com crianças percebo a necessidade de cada vez mais cedo à iniciação da educação sexual com os pequenos. Eles não precisam saber de tudo, mas a história romantizada da cegonha ou mesmo do avião nos dias de hoje são poucos que acreditam.
Outro dia, a mãe de um paciente de quatro anos estava gestante e ele veio me perguntar: tia, o bico da cegonha não vai quebrar com o peso da minha irmã? Confesso que dei umas boas voltas para respondê-lo. Não sei se criei mais dúvidas, mas tentei respondê-lo da melhor forma possível. Afirmei que as pessoas crescem e o corpo muda, desenvolve os órgãos sexuais, ou seja, o pênis e a vagina. Comentei do ato sexual como orienta o livro Mamãe botou um ovo!, de Babette Colle: "A mamãe tem ovos dentro da barriga. O papai tem sementes nos saquinhos que ficam fora do seu corpo. O papai tem um tubo. As sementes que estão nos saquinhos saem por ali. O papai encaixa na mamãe e o tubo entra na barriga dela por um pequeno buraco. Então as sementes nadam lá dentro com a ajuda de seus rabinhos até o ovo. Quando os dois se juntam formam o bebê". Depois da resposta, a única coisa que me perguntou é se dói. Respondi que quando é algo que os dois querem o corpo fica preparado e, portanto não há dor. Retrucou dizendo que tudo isso é muito nojento e que eu ou mãe dele estávamos mentindo.

Os tempos mudaram rápido de mais, com tantos recursos as crianças são cada vez mais estimuladas, consequentemente começam a fazer certos questionamentos ainda pequenas e que às vezes assustam os adultos despreparados. Freud acreditava, inicialmente, que a sexualidade humana era desenvolvia somente na puberdade, período em que o organismo estaria pronto para a procriação. Entretanto, ele começou a rever suas questões. Estudou a sexualidade infantil e discute as pulsões sexuais que são vividas pelas crianças, mas que ainda não há um objeto sexual. Segundo ele, a pulsão em quem tem a atividade sexual é composta por etapas parciais, estas ações são observadas nas preliminares do ato. Cada pulsão está ligada ao prazer extraído do órgão ao qual está vinculada, por exemplo: ânus, no caso da defecação; olho, no caso da contemplação; boca, no caso da sucção do polegar. Quando criança, a pulsão é dirigida ao próprio corpo que mais tarde na adolescência ou na fase adulta, essa direção começa mudar e nasce o desejo pela busca de outro corpo para satisfazê-lo sexualmente.

Crianças pequenas sentem prazer ao urinar ou defecar querendo brincar ou pegar na sua criação e se inicia a curiosidade para saber como é o órgão sexual dos coleguinhas e de seus pais. Os pais ao presenciarem qualquer cena parecida não devem aborrecer-se, mas, ter em mente que a masturbação e a curiosidade pelo desconhecido são normais e Fazem parte do processo de desenvolvimento e descobrimento do eu. Quando tem idade para perguntar há também para ouvir. Assim sendo, não devem receber respostas irreais, mas a verdade na sua linguagem. Não tendo respostas que necessita, irá buscar em outro lugar. E com a acessibilidade da informática, encontrará na internet cenas e informações impróprias para a sua idade que poderão deixá-la mais confusa e com maiores dúvidas. Ocorre que ela está desvendando o seu corpo e descobre que sente prazer ao tocar em determinadas partes. Contudo, ainda não faz relação desse prazer com o ato sexual.

A sexualidade é uma descoberta dinâmica que envolve um processo de aprendizagem e influencia na personalidade. Pensando nisso, muitos profissionais se preocuparam com o tema e hoje existe uma vasta literatura orientando como falar de sexo com crianças. Eles oferecem condições para que pais possam refletir sobre a descoberta de seus filhos, permitindo que a criança se aproprie de si de maneira cuidadosa e sem culpa. Os livros sobre educação sexual hoje têm uma linguagem acessível, leve e, muitas vezes, com ilustrações bem-humoradas para ajudar a abordar um tema ainda desconfortante à muitos. O Sexo na nossa sociedade ainda é um tabu, a primeira reação de muitos pais ao ver o filho se masturbar é a censura. A maioria fala que é errado e não deve ser feito porque é algo feio. No momento não se lembra que já passou por esta fase e fez a mesma coisa e tal vez, também foi recriminado. Sei que pode ser desconfortante para muitos pais e cuidadores lidarem com este tipo de situação, mas é preciso buscar meios de aprender a abordá-la sem a necessidade de serem ríspidos. A repreensão de hoje pode ter consequências à experiência sexual na vida adulta dos filhos, podendo encarar o sexo não como algo prazeroso, mas, sim um tanto nojento e sujo.

Indicação de alguns:
As Crianças Querem Saber... e Agora? Autores: Maria Graças F. Augusto; Moacr Costa; Sandra M. Como falar de sexo com seus filhos Autor: Logan Levvkoff. Mamãe botou um ovo! Autora: Babette Colle Conversando com a Criança sobre Sexo. Quem vai Responder? Autores: Gerson Lopes e Mônica Maia Quem era eu antes de mim? Autora: Inês de Barros Baptista.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Vanderléia de Fátima Timóteo da Silva

por Vanderléia de Fátima Timóteo da Silva

Graduada em psicologia desde 2009, em Brasília atende crianças e adultos. Voluntária na ONG Aconchego- Convivência Familiar e Comunitária, publica textos e artigos sobre psicologia infantil na revista Ponto Cirúrgico e tem o blog Cultura Pra Criança. O blog tem a intenção de resgatar brincadeiras antigas, o cozinhar com crianças, a construção de brinquedos e tudo um pouco que abarca este universo.

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