A Influência da Escola Francesa na Construção do Conceito Brasileiro
Muitas foram às dificuldades iniciais no Brasil
Psicologia
07/03/2013
Loureiro (2002, p. 13) escreve que a história da psicomotricidade no Brasil seguiu os passos da Escola Francesa, inspirados nos estudos dos pioneiros Ernest Dupré, Henri Wallon, Ajuriaguera, Dalilla Costallat, Giselle Sorbiran, que legaram ao mundo os primeiros e principais estudos sobre a psicomotricidade. “Os franceses se conscientizavam da importância dos gestos e pesquisavam profundamente os temas corporais”.
Fundadora no Brasil do primeiro movimento relacionado à área, em 1977, Maria Beatriz Loureiro criou o GAE (Grupo de Atividades Especializadas), e começou uma mobilização pessoal e profissional na divulgação da psicomotricidade no Brasil, (LOUREIRO, 2002). A autora escreve que nos anos de: 1980, 1983, 1986, 1988, 1990, 1992 e 1997, em todos os Encontros Nacionais e Latino-Americanos de Psicomotricidade, promovidos pelo GAE, sempre referenciamos a escola francesa de psicomotricidade. [...] a partir daí muitos franceses vieram ao Brasil falar sobre psicomotricidade. As portas ficaram definitivamente abertas, para os convites cada vez mais frequentes ao Dr. Bèrgés, Le Bouche, Lapiérre, Mme Descaubeau, Aucoututier, Frederique Bosse e tantos outros que hoje fazem as escolas. (LOUREIRO, 2002, p. 16).
Muitas foram às dificuldades iniciais no Brasil. Primeiro o acesso a literatura era todo em francês, segundo, poucas eram as pessoas que tinham propriedade para falar do assunto, não se pode falar daquilo que não se sabe. Só tinham conhecimento sobre o assunto apenas aqueles que tinham contatos com pesquisadores estrangeiros, ou aqueles que tinham ido a outros países em intercâmbio estudantil e isso era uma barreira a ser superada .
Pioneira em tratar do assunto no Brasil, Loureiro (2002, p. 11) escreve que “a oportunidade era quase única em minha vida e, com o meu jeito jovem e atrevido, fui a busca daquele que foi definitivamente o momento mágico para a minha vida profissional e pessoal”. A autora relata que foi em contato com a Dra Costallat (grande escritora da psicomotricidade) que aprendeu os conhecimentos imprescindíveis da educação e da psicomotricidade, com a atenção de quem bebe da ‘água viva’ do discernimento científico jamais encontrado em nenhum manual pedagógico.
Foi com essas oportunidades que os pesquisadores brasileiros foram se aprofundando cada vez no conhecimento sobre o assunto. Além da Dra Costallat, outro autor que contribuiu e ainda contribui muito para a formalização do conceito da psciomotricidade e que não podemos deixar de escrever é Henri Wallon (França, 15 de junho de 1879 - 1 de dezembro de 1962).
Em 1914 ele foi convocado para atuar como médico do exército francês na primeira guerra mundial. O contato com a guerra, fez com que Wallon trabalhasse diretamente nos campos de combate, tendo contato com diversos tipos de lesões cerebrais, o que por mais adverso fosse o contexto da atuação, essa situação, essa experiência o ajudou a aprofundar seus conhecimentos já desenvolvidos sobre o assunto, e ainda subsidiou aquelas pesquisas que foram desenvolvidas partindo dessa experiência vivenciada nos campos de batalhas.
O autor desenvolveu vários estudos e pesquisas em que interliga o movimento ao afeto, a emoção, a inteligência. A esse respeito, Nascimento (2004, p. 52) escreve que “a afetividade, o movimento e a inteligência constituem campos funcionais entre os quais se distribui a atividade da criança”. Já Galvani (2002, p. 21), salienta que:
Henri Wallon contribuiu muito, por meio de seu trabalho sobre tônus e emoção, com obras relevantes no campo do desenvolvimento psicológico da criança. O papel da função tônica (sobre a qual repousam as atividades e os alicerces da vida mental) e da emoção (como meio de ação sobre o outro), nos progressos da atividade de relação é encarado, de acordo com Wallon, como processos básicos de intervenção psicomotora. (GALVANI, 2002, p. 21).
Wallon escreve muito sobre os aspectos emocionais e nesse momento existe a necessidade de fazermos um esclarecimento em relação ao assunto (dentro da teoria walloniana). Para isso, trazemos uma contribuição de MacLean (1952) sobre o conceito teórico da emoção em um sentido mais amplo do qual estamos acostumados.
MacLean (1952) apud Galvani (2002) caracteriza as emoções em dois níveis: primária e secundárias, “as emoções primárias seriam sentimentos ou afetos relacionados a necessidades corporais básicas. A partir dessas geram emoções secundárias, tais como medo, raiva, ódio, amor, familiaridade e estranheza entre outros”.
Cada grande emoção tem sua assinatura biológica característica, um padrão de alterações avassalador no campo; a medida que a emoção ascende, é um tipo exclusivo de sinais que o corpo automaticamente emite sob emoção. Eis por que é tão difícil fazer com que alguém, sob perturbação emocional, raciocine; não importa quão valida seja a argumentação do ponto de vista lógico, nada que não esteja enquadrado nas convicções emocionais do momento pode usufruir. (GALVANI, 2002, p. 30).
Você nesse momento deve estar se perguntando mais o que o conceito de emoção de Henri Wallon, tem a ver com a educação e psicomotricidade na educação infantil? Respondo a você... A emoção está diretamente ligada à aprendizagem. Os aspectos emocionais são tão importantes, que enquanto psicopedagoga só é possível fazer uma intervenção psicopedagógica (dificuldade de aprendizagem), se o paciente em questão não tiver qualquer problema qualquer problema psicológico e principalmente os de cunho emocional.
É por isso que todos os psicopedagogos antes de começar qualquer sessão de intervenção psicopedagógica encaminha o aluno primeiramente a um psicólogo para averiguar, buscar, tratar de todos esses “problemas”, só assim nós (psicopedagogos) teremos um trabalho frutífero. Só podemos iniciar os trabalhos quando forem nulos quaisquer desses aspectos, distúrbios psicológicos.
São também por esses motivos que Galvani (2002, p. 22, grifo nosso) escreve que a “psicomotricidade é uma área ampla que engloba a tripolaridade do homem: intelectual: aspectos cognitivos, emocional: aspectos afetivos, motor: aspectos orgânicos”.
A autora contribui ainda escrevendo com base nos principais conceitos da teoria walloniana que: O indivíduo só terá condições de ativar seus potenciais psíquicos nas atividades psicofuncionais, se for trabalhado corporalmente nos seguintes aspectos: esquema e imagem corporal, equilibração, coordenação, lateralização, tonicidade. A experimentação corporal por meio das sensações e emoções resultará no equilíbrio tônico-emocional. A estimulação das vias perceptivas, da atenção, da memória e discriminação, da coordenação viso-motora, desencadeará ações precisas e coesas. (GALVANI, 2002, p. 23-24).
Assim com Piaget, mas conforme a sua particularidade, Henri Wallon também descreve estágios de desenvolvimento. Veremos a seguir as características do estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano); estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); Estágio do personalismo (3 a 6 anos); Estágio categorial (6 a 11 anos); Estágio da adolescência (11 anos em diante). O quadro abaixo ilustra cada estágio com a respectiva idade, denominação e traços gerais e a transição de cada estágio.
Seu foco esteve na utilização da afetividade, motricidade e cognição, Pinto (2010) escreve que:
esses estudos levaram-no à compreensão da importância das primeiras experiências vivenciadas na primeira infância como base do desenvolvimento social, emocional, intelectual e físico das crianças. Cabe esclarecer que a psicologia genética estuda a gênese, ou seja, as origens dos processos psíquicos. Em seus estudos, Wallon identificou vários campos funcionais que envolvem diversas funções psíquicas da pessoa, como a afetividade, o movimento e a inteligência, entre os quais se inclui a atividade infantil. (PINTO, 2010, p. 30).
Alguns estudiosos consideram complexas as obras deixadas por ele, pois envolve o campo da medicina, mais especificamente o campo neurológico, o qual sabe que demanda muito conhecimento da particularidade infinita de todos os seus termos, o que torna difícil a compreensão dos seus escritos. Wallon em sua vida acadêmica deteve um:
Profundo interesse pela educação permiti-lhe compreender a psicologia e a pedagogia como ciências complementares, sem que houvesse superioridade de uma sobre a outra, ou seja, via a prática educativa como campo para a pesquisa psicológica e, em paralelo, a investigação psicológica como base para uma possível renovação da prática educativa, numa relação de reciprocidade. (NASCIMENTO, 2004, p.47).
Nascimento (2004, p. 47), escreve que o mais importante, a saber, sobre os pressupostos de Wallon é que na sua caminhada de produção o autor em suma “buscou compreender o desenvolvimento infantil por meio das relações estabelecidas entre a criança e seu ambiente, privilegiando a pessoa em sua totalidade, nas suas expressões singulares e nas relações com os outros”.
É por esses motivos que é considerado um autor interacionista, pois considera que as relações são estabelecidas, vivenciada, modificadas conforme o contato da criança com o seu meio, o que vem em conformidade com outros autores interacionista ou sociointeracionistas como Jean Piaget, Levy Vygotsky que consideram as relações interpessoais, históricas, culturais e sociais do sujeito em formação, considerando sua condição biológica e social.
Le Suer (2012), também contribui escrevendo que para Wallon as emoções têm um poder de contágio nas interações sociais, evidenciando o seu caráter coletivo, facilmente identificado nos jogos, danças, rituais, onde há simetria de gestos e atitudes, movimentos rítmicos, comunhão de sensibilidade, uma sintonia afetiva que mergulha todos na mesma emoção. É por esse motivo que é um dos pioneiros na área da psicomotricidade, nesse sentido:
o papel do movimento na psicogenética walloniana tem duas dimensões distintas, uma afetiva e outra cognitiva. A afetiva se relaciona aos gestos ou movimento expressivos que tem a intenção de causar impacto sobre o outro. A cognitiva se refere à ação direta sobre o meio físico (NASCIMENTO, 2004, p. 58).
Todavia essas dimensões (afetivas e cognitivas) se efetivam nas relações sociais que as crianças estabelecem ao longo de sua vida, no decorrer de seu desenvolvimento, desse mesmo modo: o que a teoria walloniana indica é um alargamento do espaço motor pela constituição de um espaço mental, no qual os limites vão se ampliando na medida da ampliação do pensamento. Este, a princípio, vai ser expresso por intermédio do movimento e da linguagem simultaneamente, o que Wallon denomina pensamento ideomotor. Nesse sentido, em sua origem, o pensamento é sustentado pela motricidade e, gradativamente, ao longo da infância, a motricidade se reduzirá aos movimentos vocais, e o pensamento será impulsionado pela fala. (NASCIMENTO, 2004, p. 59).
São por esses motivos expostos acima que os aspectos psicológicos são tratados simultaneamente os aspectos motores por todos aqueles que escrevem sobre a psicomotricidade, assim:
a teoria psicogenética de Wallon revela-se de grande importância para a educação. Em primeiro lugar, porque compreende a criança completa, o que implica a necessidade de uma prática pedagógica que dê conta dos aspectos intelectual, afetivo e motor integrados, sem privilegiar o cognitivo, fazendo com que a escola deixe de ser um espaço meramente instrucional para tornar-se lugar de desenvolvimento da pessoa. Esse desenvolvimento responde ao plano biológico em interação com o plano social: a criança concreta tem história, faz parte de um grupo social, traz consigo elementos da cultura em que está inserida. Além disso, a criança contextualizada apresenta características específicas em seu desenvolvimento. (NASCIMENTO, 2004, p. 64).
Os autores tiveram diferentes formas de compreensão da essência do movimento humano em diferentes momentos históricos, onde existiram diversas interpretações e vertentes do assunto.
Assim sendo, essas interpretações estão atreladas a determinados tempos e os tipos de recursos que estavam disponíveis em cada época para pesquisa em cada sociedade. Dessa forma, concordamos com Alves (1994) apud Albuquerque (2006, p. 40), quando escreve que:
[...] no interior de todas as sucessivas formas de sociedade que marcaram a existência da humanidade, assim como essas próprias formas de sociedade, as propostas de educação são históricas. [...] como todas as obras humanas, as propostas de educação germinam, passam por um processo evolutivo, entram em crise e se degradam. Portanto podem ser discernidos dois momentos fundamentais nesse processo: o momento da construção e desenvolvimento da proposta e o momento de sua crise e decomposição. (ALVES, 1994, apud ALBUQUERQUE, 2006, p. 40).
Essas acepções estão relacionadas a diferentes entendimentos, mas a maior parte dos autores que escreveram sobre o movimento humano, concorda entre si que o ser humano é capaz de se socializar por meio desses movimentos caracterizados pela motricidade. De tal modo, esses compreendem o ser humano para além da dimensão apenas biológica, ou seja, uma visão a mais do que um ser humano isolado, desprovido das outras dimensões.
Fica evidente que a psicomotricidade na educação infantil é uma etapa que deve ser trabalhada pelos profissionais, dando a oportunidade da criança experimentar o conhecimento do seu corpo, dando-lhe a possibilidades de brincar, movimentar, conduzir-se na vida em sociedade.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Colunista Portal - Educação
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