A atuação do psicólogo no contexto de Hospital Maternidade
A maternidade é um processo que consiste em muitas mudanças
Psicologia
12/04/2013
Antes de tudo é necessário a compreensão de alguns termos no que se refere à Maternidade–gestação, pós-parto e outras características específicas deste período que muitas vezes são tratados sem o devido cuidado e propriedade.
O que se entende por maternidade? Sabemos que a Maternidade é um processo que consiste em muitas mudanças que vão gerar nas mães uma necessidade de adaptação na execução de várias tarefas. Segundo pontua Duailibi (2008) A gravidez é um período de transição que envolve a necessidade de reestruturação e reajustamento. Trata-se de mudanças físicas e emocionais profundas, onde há ambivalência de sentimentos. A gestante deseja a criança, ao mesmo tempo em que a rejeita e a teme. Em cada trimestre encontramos uma tarefa do desenvolvimento específica, que terá como ponto culminante a aceitação do papel de mãe e incorporação dessa identidade materna.
Cada etapa desse processo que vai desde a gestação, parto e pós-parto são períodos em que a mulher, o casal e a família vão sofrer intensas transformações. Especialmente a mulher vai experienciar isso, pois o seu corpo passa por várias transformações e ele mesmo é a base para o desenvolvimento do bebê. Segundo Paim (citado por Oliveira, 2008) a gravidez e a maternidade são fenômenos biológicos, que também abrangem dimensões culturais, históricas, sociais e afetivas.
De acordo com Nina (citado por Silveira, s.d) há na psicodinâmica da gestação três modificações psíquicas que parecem dominar:
Crise de identidade: ocorrida devido a uma passagem do papel de filha para o papel de mãe e ainda se dá devido às alterações corpóreas que distorcem a imagem corporal da gestante;
Regressão: mecanismo de defesa que surge, nesse período, isso acontece, pois a mulher se sente mais frágil e necessitada de maior atenção de todos que a cercam, que é desencadeado pela crise, normal, que se entende ser a gravidez;
Ambivalência: Em grande parte dos casos podemos verificar sentimentos opostos em relação à gestação, ao feto e a todas as mudanças com ele advindas. É evidente que não há gravidez totalmente aceita nem tão pouco totalmente rejeitada, porém, no contexto social a gravidez é encarada como algo divino e sagrado e a gestante, em muitas ocasiões, sente culpa pelo fato de não querer estar naquela situação e não tem a liberdade para falar a respeito, mesmo porque, quase nunca tem chances.
O período do pré-parto tem particularidades muito marcantes, a mulher sente muita ansiedade, o que afeta em especial três componentes: físicos, emocionais e cognitivos, estes componentes estão intrinsecamente relacionados. Os medos da mulher grávida precisam ser investigados, e cabe ao profissional de psicologia buscar as causas do aparecimento destes medos e encontrar as melhores formas de auxiliar a superá-los.
Após o parto também podem ocorrer algumas alterações no âmbito emocional e é necessário que se esteja atento a ocorrência de quadros depressivos. A depressão pós-parto pode vir carregada de muito sofrimento tanto para a puérpera como para seu bebê. Benetti et. al. (2007), pontuam que o estado afetivo materno no primeiro ano de vida do bebê indicam que a ocorrência de quadros depressivos está associada a alterações no desenvolvimento infantil das áreas neurológica, cognitiva e emocional, com efeitos duradouros ao longo do desenvolvimento da criança, que podem perdurar até a adolescência.
Os quadros depressivos trazem interferência em vários aspectos do funcionamento e estado afetivo materno que irão por sua vez afetar a qualidade da relação entre a mãe e o bebê. No que se refere ao comportamento e capacidade de sensibilidade materna, fica evidente que ocorrem dificuldades nas trocas afetivas, no estabelecimento de apego seguro, e na incapacidade materna de sensibilidade ao choro do bebê (Benetti et. al.2007).
Quando os sintomas depressivos maternos são identificados na gestação e no primeiro ano de vida do bebê, efetivamente será possível a promoção de ações preventivas dirigidas à saúde materno-infantil.
Peculiaridades encontradas no Contexto do Hospital Maternidade
Nascimento de Crianças Prematuras
Santoro e Santoro (2002) pontuam que as mulheres grávidas tem em seu imaginário o predomínio desejo de ver o filho nascer saudável, forte, ativo e com bons sinais vitais. O parto simbolicamente traz a representatividade da vida. Porém, quando ocorre o nascimento prematuro de uma criança, o bebê é afastado da mãe para receber assistência necessária, este fato tem um impacto muito grande na vida dos pais e familiares isto é um choque, e consequentemente traz a tona sentimentos de culpa, frustração, incompetência, medo e ansiedade. Além destes sentimentos aflora o receio de seu filho não sobreviver, ou que ele adoeça com facilidade ou venha a sofrer efeitos colaterais que promovam sequelas futuras. O desafio inicial dessas mães de prematuros é o de se adaptarem ao conflito entre aquela imagem idealizada e a imagem real da criança, o que é um processo angustiante.
O grande desafio dos profissionais de saúde é ajudar as mães nesse momento inicial a elaborar o luto pela perda da criança “normal” que esperavam, tentando fortalecer o vínculo com a criança prematura.
O primeiro contato com filho sempre é vivenciado com o medo, quando o visualizam na UTIN. Vem nesse momento o receio da morte repentina, por serem observadas características frágeis da criança, o que se completa com o ambiente que muitas vezes assustam as mães. Nesse mesmo contexto encontram-se bloqueios emocionais e outros obstáculos, por isso o apoio dos profissionais de saúde deve ser em torno do incentivo as mães de prematuros para ir vê-los sempre que possível, orientando-as a tocá-los dentro da incubadora. Através desse contato com o bebê é iniciado o vínculo afetivo mãe-filho. Com essa atitude inicia-se um processo gradual, que é importantíssimo para iniciar à retirada e produção do leite materno, que visa o sucesso da amamentação (Carvalho, Reis, Dias, Monteiro & Pinheiro, 2007; Santoro & Santoro, 2002).
Formação de vínculo
A visão humanizada de cuidados com o bebê traz o contato físico precoce ainda na sala de parto, como um meio de evitar separações desnecessárias, que poderiam ser prejudiciais ao aleitamento materno e a aproximação ao bebê, reduzir esta distancia é fundamental, isso claro quando se trata de bebês de baixo risco (Cruz 2007).
Considera-se o parto como um momento muito especial para a gestante, e nesse sentido os profissionais de saúde devem atuar em conjunto simplificando esse processo, oferecendo suporte emocional e segurança para a mulher e sua família, desta maneira estarão contribuindo para a formação do vínculo mãe-bebê (Cruz 2007). O profissional de Psicologia precisa ainda compreender como o momento do parto foi entendido pela mãe e como atuaram os demais profissionais se dificultaram ou facilitaram a aproximação entre a mãe e o recém-nascido (RN), para assim poder atuar auxiliando no processo de estabelecimento de vínculo.
A prestação de cuidados imediatos aos RN após o parto são essenciais para a sua adaptação diminuindo a morbi-mortalidade neonatal. Esse momento de transição do meio intrauterino ao extrauterino é marcado por muitas mudanças para a criança, quando o bebê nasce ocorre um processo de adaptação gradual para a superação destas dificuldades próprias de seu desenvolvimento (Cruz, 2007). Em seu trabalho, Zveiter (1986, citado por Cruz, 2007) diz que a primeira hora de vida de um bebê é um período denominado de inatividade alerta do RN que dura em média quarenta minutos. Esses momentos iniciais são uma fase sensível, precursora de apego e a primeira oportunidade da mãe ser sensibilizada pelo seu bebê, nesse contexto destaca-se a importância que a realização de procedimentos assume na sala de parto. O profissional de saúde envolvido no nascimento é uma figura facilitadora ou não deste processo, possibilitando a aproximação precoce entre a mãe e seu filho para que o vínculo se estabeleça. Nesta concepção, as ações dos profissionais de saúde no pós-parto imediato em relação aos cuidados prestados ao recém-nascido podem interferir negativamente na aproximação precoce entre a mãe e o bebê.
A formação de vínculo mãe bebê vai inferir diretamente na personalidade dessa criança. Algumas teorias discorrem sobre o tema, das quais destacamos a psicanálise e a teoria do apego.
Sabemos que segundo psicanálise a personalidade sofre influências de fatores intrínsecos que são fatores genéticos e hereditários e os fatores extrínsecos que são os relacionados ao meio social e familiar. Quanto aos fatores extrínsecos, alguns acontecimentos da infância podem marcar profundamente o desenvolvimento de uma pessoa. Alguns exames psicológicos podem identificar essas marcas, sem que a pessoa possa lembrar-se das impressões causadas, Freud (1905, citado por Barbosa & Pinto 2007).
Sabe-se que durante a formação da personalidade de uma criança, um adulto, em geral a mãe, representa o elo com o mundo. A importância da mãe na construção da personalidade se deve ao fato de que ela é considerada como referência para a criança, em relação ao mundo e a ela mesma. (Barbosa & Pinto, 2007)
A relação estabelecida com essa mãe pode representar as bases de suas futuras relações com os demais seres humanos ou com os acontecimentos de sua vida. Por isso se esta criança não conseguir os subsídios necessários para desenvolver um vínculo com a mãe desde os primeiros dias de vida, isto refletirá na capacidade da criança em desenvolver relacionamentos satisfatórios, essa ligação ocorre durante os primeiros 24 meses de vida, e é resultado das interações constantes que a mãe manteve com o bebê desde o nascimento, Mazet (1990, citado por Cruz, 2007).
A Teoria do Apego, também afirma a importância da formação do vínculo entre a criança em desenvolvimento e seu responsável. O comportamento de apego é caracterizado pela permanência do contato físico entre a mãe e o filho quando esse está com fome, frio, medo ou angustiado. A repetição diária dessas interações permite
que a criança elabore um esquema de sua mãe, ou de outro cuidador. Assim, por volta do quarto ou quinto mês de vida, o filho já diferencia a mãe de outras pessoas e não permite que outros o embalem ou alimentem (Barbosa & Pinto, 2007).
Quando a criança é exposta a situações de tensão, ela busca um meio de chegar à presença materna, por esta estar relacionada à segurança e conforto. Depois do período de 24 meses, a criança começa a perceber a mãe como ser independente e, tornar-se a partir daí, capaz de tolerar separações da mãe sem sofrimento, desde que esteja em local familiar ou receba garantia de retorno (Barbosa & Pinto, 2007).
Mães que perdem seus bebês
A morte é uma das experiências mais traumáticas para o ser humano. Falar desta experiência ainda é um tabu e é um fato evitado pela maioria das famílias.
Walsh e Maggoldrick (1998, citado por Silveira, s.d) dizem que a morte de um filho, é tida para muitos como insuperável, principalmente por inverter a ordem natural da vida, uma vez que sempre se espera que os mais velhos sejam os primeiros a morrer.
Os termos utilizados para tratar esse assunto no contexto de Hospital Maternidade, são: natimorto que é quando o bebê morre ainda dentro do útero, e neomorto I que é quando a morte ocorre até o 7º dia do nascimento, Dolnikoff (1997, citado por Silveira, s.d). De acordo com o Ministério da Saúde (2009) Natimorto ou óbito fetal: refere-se à morte do produto da gestação antes da expulsão ou de sua extração completa do corpo materno, independentemente da duração da gravidez. Indica o óbito o fato de, depois da separação, o feto não respirar nem dar nenhum outro sinal de vida como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária.
Klauss, Kennell (citado por Silveira, s.d) dizem que a intensidade do luto e a tristeza após a perda precoce de um bebê estão diretamente relacionadas à qualidade do vínculo que foi formado durante a gestação. Partindo do princípio que o bebê era planejado, sonhado e até idealizado quais seriam as possíveis reações dessa mãe que perde o bebê de forma tão inesperada? Sentimentos de culpa, raiva e depressão são evidenciadas nesses momentos, porém se torna muito difícil definir precisamente quais serão as consequências traumáticas para essa mãe.
Conforme descreve Bowlby (1997) há uma relação causal entre distúrbio psicológico e separação ou perda ocorrida em alguma fase da vida. Segundo ele, as fases do luto são: Topor cuja duração é entre horas e semanas após a perda e é uma fase permeada, muitas vezes, por choro e raiva; Saudade e busca da figura perdida que pode durar de messes a anos e é caracterizada por momentos constantes de lembrança à pessoa perdida e, necessidade por parte da pessoa enlutada, de estar nos lugares onde a pessoa falecida frequentava ou gostava de estar; Desorganização e desespero que ocorre do início do processo de elaboração do luto saudável, onde a pessoa enlutada começa a se conscientizar da real perda e da irreversibilidade dos fatos; Reorganização que consiste no momento no qual a tristeza vai dando lugar à aceitação e ao restabelecimento da rotina normal da pessoa enlutada. Pode demorar até anos para se chegar a essa fase.
Para facilitar um luto saudável é importante que a pessoa consiga verbalizar seus sentimentos e emoções sobre a perda. Se o luto for impedido, o resultado pode ser patológico.
O profissional de saúde precisa promover um reasseguramento eficaz, mostrando-se disponível e acessível para o contato, demonstrando competência e disposição para escutar a paciente, bem como fornecer a ela informações realista explicando o que ocorreu. Nessas situações a escuta, o uso de reflexão de sentimentos ajudam a elaborar o luto pela perda gestacional, bem como vão auxiliá-la nas demais dificuldades decorrentes do processo de gestação, parto e pós-parto, que foram enfatizadas neste texto.
Referências
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