Shine (2005) aponta que “a avaliação psicológica em contexto forense ou jurídico precisa ser reconhecida pelo que ela é: uma modalidade específica de avaliação com características intrínsecas ao seu objeto e objetivo.” (p. 1). O autor explica que
[...] por objeto da avaliação psicológica se entende a questão pertinente que a avaliação trata de investigar, ou posto de outra forma, trata-se de um problema a resolver, uma questão a responder. Lembremos que a Psicologia funciona por meio da busca de uma resposta a uma pergunta específica (Qual é a inteligência do fulano?, por exemplo). [...] Uma vez que o objeto se define por uma questão-problema, o objetivo será dado pela demanda que é feita ao psicólogo em sua avaliação. (Shine, 2005, p. 2).
Porém, os técnicos em Psicologia passaram a utilizar a avaliação psicológica, esquecendo-se das implicações de seu uso. Assim, a expansão da psicotécnica se deu paralelamente à expansão de teorias psicológicas, distanciando-se dos dados que os testes poderiam oferecer (qualitativos e quantitativos) para a ampliação dos conhecimentos clínicos e experimentais. (Miranda Jr., 2005)
Tereza Mito (1998 apud Miranda Jr., 2005) denomina a avaliação psicológica baseada em testes e instrumentos padronizados como avaliação “formal”, afirmando que “ela surgiu da necessidade do profissional apegar-se a instrumentos ‘mais confiáveis’ do que a própria percepção pessoal.” (p. 160).
Miranda Jr. (2005) aponta que
o uso de um procedimento padrão que supostamente se distancia das inferências pessoais (consideradas “subjetivas”), com uma linguagem padronizada e já testado por outros pesquisadores tranquiliza o psicólogo e também aquele que lhe demanda o serviço. O discurso científico parece estar, então, garantido. Em termos ideais, a mensuração em Psicologia, como em outras ciências, seria mais um importante auxiliar no processo de conhecimento do objeto de estudo e também no aperfeiçoamento da qualidade dos próprios instrumentos para obtenção das medidas. (Miranda Jr., 2005, p. 161)
Assim, o crescimento e a expansão da psicotécnica levou o empirismo a não saber responder quem é o sujeito que está sendo avaliado, pois obtém apenas a resposta sobre o quê está sendo avaliado. Afinal, há comodidade em relação a previsibilidade dos testes, uma vez que estes tipos de testes visam verificar e determinar algumas características. Assim, torna-se difícil e complexo prever comportamentos, atitudes, condutas etc. (Miranda Jr., 2005).
Anteriormente, foi citado que muitos profissionais exercem avaliações, mas não sabemos se estes recebem informações acerca dos sujeitos que estão sendo avaliados. Será que para os avaliadores, ficar sabendo de algo interfere no processo de avaliação psicológica e acabam por legitimar a posição de “assujeitamento” dos avaliados? Mas, o que seriam Representações Sociais?
As Representações Sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizam, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais. Sua medição privilegiada, porém, é a linguagem, tomada como forma de conhecimento e de interação social. Mesmo sabendo que ela traduz um pensamento fragmentário e se limita a certos aspectos da experiência existencial, frequentemente contraditória, possui graus diversos de claridade e de nitidez em relação à realidade. Fruto da vivência das contradições que permeiam o dia-a-dia dos grupos sócias e sua expressão marca o entendimento deles com seus pares, seus contrários e com as instituições. (Minayo, 2000, p. 108)
Assim, acreditamos que as representações sociais internalizadas e propagadas diariamente acabam por legitimar a posição dos sujeitos em sua realidade social, isto é, as crenças e valores que carregamos conosco, muitas vezes regem nosso pensamento e atitude.
Diante disso, questionamos a influência das representações sociais dos profissionais ao realizarem avaliação psicológica, questionando a imparcialidade e neutralidade na postura atuante, esquecendo principalmente destas representações que visam legitimar condições sociais muitas vezes não favoráveis para os sujeitos. Ou seja, qual a apropriação dos profissionais sobre os sujeitos sociais que realizam a avaliação psicológica? Será que apresentam uma postura reelaborada sobre a realidade social dos examinandos ou propagam as distorções destes sujeitos e da realidade que vivem?
Outra pergunta que também encontra dificuldades para uma resposta adequada é: para quem se está avaliando? Ou, no sentido político-social, a quem a avaliação psicológica está servindo? E a resposta imediata e mais simplória, mesmo que contenha uma parcela de verdade, é: ao sistema de dominação vigente, que no início do século XX era mais evidente (por exemplo, ao classificar alunos para a escola) e hoje é mais explícito, mas claramente presente nos locais onde o controle sobre os indivíduos era bastante evidente (escolas, empresas, penitenciárias, etc.). (Miranda Jr., 2005, p. 162. Grifo nosso)
Assim, questionamo-nos acerca do “poder” de legitimação do diagnóstico a partir da avaliação psicológica, trazendo à tona o “endeusamento” do psicólogo como possuidor do suposto saber e o sujeito como estereotipado e rotulado, evidenciando a hierarquização do saber científico como mais relevante que o saber comum. Então, como o profissional, ao elaborar seu diagnóstico, lida com a imparcialidade e neutralidade?
Augras (2012, p. 14) aponta que
[...] a reflexão sobre o alcance e limite do nosso exercício profissional dificilmente pode prescindir de um posicionamento filosófico definido. Como tratar o homem, sem questionar o que significa ser homem? Como entender o sentido de nossa compreensão, sem nos interrogarmos primeiro acerca do significado do significado? Como avaliar as peculiaridades de um indivíduo, sem apreender a complexidade da situação do ser no mundo?
Será que o profissional considera a concepção de homem ao aplicar testes psicológicos e construir o laudo à Justiça? Dito de outra forma, o psicólogo considera a realidade social dos sujeitos avaliados ao explicitar suas maneiras de vivenciar e agir no mundo?
Talvez a insegurança seja um dos sentimentos que os profissionais não se permitem sentir, uma vez que o processo avaliativo pede um documento que será acessível ao Juiz e contribuirá na decisão da Justiça sobre o sujeito avaliado. Assim, o psicólogo vê a necessidade em aprimorar seu conhecimento acerca do processo avaliativo e dos instrumentos de testagem oferecidos pela Psicologia, para então, atuar neste contexto ultrapassando, de acordo com a fala dos mesmos, conteúdos internos para atuar eficazmente.
Daí a necessidade para o psicólogo de duas exigências fundamentais: primeiro, aprimorar-se no domínio das técnicas que lhe sejam específicas, pois constituem meios consagrados de registro da situação de encontro, codificando as manifestações da intersubjetividade, operacionalizando-as e, desta maneira, facilitando o entendimento; segundo, aprofundar o conhecimento de si próprio, não apenas para controlar os limites de sua atuação, mas também como treino para o conhecimento do outro. (Augras, 2012, p. 16)
Augras (2012) questiona se de fato o psicólogo em contexto de atuação diagnóstica é treinado para “reconhecer a alteridade” (p. 81) de si e do outro, valorizando e preservando-a. Tais reflexões nos remetem à praticidade e tecnicidade que os profissionais adotam para que não corram riscos de julgamentos errôneos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUGRAS, M. A Fala. In.: O ser da compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Vozes, 2012. Cap. 6, pp. 79-82.
MINAYO, M. C. S. O conceito de Representações Sociais dentro da sociedade clássica. In.: GUARESCHI, P. A. & JOVCHELOVITCH, S. (orgs.). Textos em Representações Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. Cap.3, pp. 108-109.
MIRANDA Jr., H. C. Psicanálise e avaliação psicológica no contexto forense. In.:
SHINE, S. (org.). Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização, Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. Cap. 7, pp. 160-174.
SHINE, S. K. Avaliação psicológica em contexto forense. In.: SHINE, S. (org). Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização, Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. Cap. 1, pp. 3-18.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Ana Carolina Lima da Silva
Psicóloga, especialista em Psicologia do Trânsito e pós-graduanda em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Experiência na área de Psicodiagnóstico infantil e atendimento clínico a adultos; conhecimento e atuação em Psicologia Social Comunitária; Psicologia Jurídica, realizando perícias psicológicas; experiência em Método de Rorschach e técnicas projetivas
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