A atuação do psicólogo na ESF entre os anos de 2006 e 2011

O trabalho na ESF está inserido na Atenção Primária à Saúde
O trabalho na ESF está inserido na Atenção Primária à Saúde

Psicologia

18/04/2014

INTRODUÇÃO

O senso comum aponta que a saúde pode ser resumida a ausência de doenças e/ou de sinais concretos de que o corpo não está “funcionando” direito (ex.: Pressão alta; taquicardia; falta de ar, etc). Porém, lembrando da definição de saúde preconizada pela OMS, é importante entender o homem de maneira integral, sob pena de ignorar toda a vastidão que caracteriza a existência humana. Desta forma, podemos definir o termo saúde como uma gama de estados positivos de bem-estar físico, mental e social – não apenas a ausência de lesão ou doença – caracterizada por variações nos sinais saudáveis e estilos de vida. [1].


O papel do psicólogo em nosso país esteve vinculado durante décadas ao modelo médico, onde temos alguém “doente” ao qual devemos atendê-lo de forma a proporcionar uma “cura”. Concordamos com Bleger [2], no entanto, quando ele diz que a medicina seria melhor se tivesse seu foco voltado ao coletivo, enfatizando a proteção, fomento e reparo da saúde. O mesmo autor continua, apontando que a função do psicólogo deveria ser semelhante, ou seja, atuar de maneira intensa de forma preventiva e não aguardar que problemas ou patologias se desenvolvam para realizar seus procedimentos de intervenção [2].


Na prática, não é o que ocorre. O psicólogo tem uma formação muitas vezes voltada para o atendimento individual. Mas em saúde coletiva, as práticas preventivas exigem que novas formas de atuação sejam utilizadas; técnicas sejam adaptadas ou desenvolvidas, e novos referenciais teóricos sejam consultados. Para Bock, Furtado e Teixeira, como profissional da saúde, o psicólogo pode usar de seus conhecimentos para intervir nas famílias, grupos e indivíduos numa postura de promoção da saúde. [3].


Em função de nossas experiências no trabalho interdisciplinar com grupos de promoção da saúde, surgiu o interesse em investigar como atuam os psicólogos na saúde pública, especificamente aqueles inseridos nas equipes da Estratégia Saúde da Família. Entendemos que essa modalidade de intervenção em saúde implementada pelo governo federal é área fértil para atuação do psicólogo, podendo este profissional somar esforços junto aos demais profissionais de saúde que integram as equipes.


Sendo assim, este estudo tem por objetivo realizar uma revisão de literatura, focando as possibilidades e limitações da atuação do psicólogo nas equipes da Estratégia Saúde da Família.


Constitui-se em uma revisão não sistemática, onde foram consultados artigos nacionais nas bases de dados LILACS, Scielo, BIREME e também do Google Acadêmico. A busca se restringiu aos textos publicados entre os anos de 2006 e 20011, contemplando assim os últimos seis anos de estudos publicados sobre o assunto. Como suporte teórico, também foram consultadas obras de leitura corrente e textos da área de Psicologia e Saúde. Os termos-chave utilizados nas buscas foram Psicologia e Saúde da Família; Psicologia e Saúde Pública; Psicólogo e Atenção Primária. O critério de inclusão de um artigo foi o seu enquadramento no tema Psicologia na Estratégia Saúde da Família.


O primeiro tópico apresenta um breve resumo sobre o SUS e a Estratégia Saúde da Família. Em seguida é contextualizado o psicólogo como profissional da área de saúde. Na sequência aborda-se a atuação do psicólogo na Estratégia Saúde da Família. Segue-se uma discussão sobre os dados coletados nos artigos selecionados e a conclusão a respeito do estudo realizado.


O SUS E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

A saúde pública no Brasil sofreu uma mudança radical quando, em 1988, com a nova constituição federal, foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS. Antes disso, o modelo adotado fomentava uma divisão injusta, segregando a população em três níveis: aqueles que podiam pagar por atendimento particular; aqueles que tinham direito a seguridade social – trabalhadores de carteira assinada – e aqueles que não tinham direito algum [4]. O SUS vem propor uma maneira mais igualitária, fazendo com que a saúde se tornasse um direito de todo brasileiro e um dever do Estado.


A partir da concepção da saúde, enquanto direito de todos e dever do Estado, entram em vigor os princípios orientadores de universalidade, equidade, integralidade e participação social. A universalidade diz respeito ao acesso, não devendo haver preconceitos e privilégios; a equidade se refere à igualdade na assistência à saúde; a integralidade contempla a ideia de integralidade e a participação social e traz a noção de democratização para o serviço efetivo do controle social na gestão do sistema. (BRASIL apud SOUZA et al,)[5].


Dessa forma, o SUS começa a ofertar serviços de forma integral e igualitária a toda a população. Adota uma proposta preventiva, alinhada com a definição de promoção da saúde preconizada na Carta de Otawa em 1986 [6]. Contrariando a lógica capitalista, o novo Sistema Único de Saúde brasileiro democratiza os serviços de saúde a toda a população, trazendo informações sobre seus direitos e os riscos à saúde, dando oportunidade a qualquer cidadão de obter tratamento gratuito, além de participar de programas de educação e prevenção de doenças [7].


O trabalho em saúde começou a assumir outra característica. Não focava mais a cura de patologias, ainda que este serviço continuasse a ser prestado. O SUS também estaria envolvido na melhoria das condições salutogênicas [8], ou seja, condições que produzem saúde. São elas: alimentação, moradia, meio ambiente, acesso aos bens e serviços essenciais, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, etc [9].


Mesmo com esta nova proposta de fazer saúde, o acesso aos serviços ainda não conseguia absorver as demandas da população. Aproximadamente 1000 municípios careciam de profissionais médicos no ano de 1993. Através de articulações políticas, somadas ao reconhecimento da eficácia de programas de atenção primária que haviam sido implantados em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás, as primeiras equipes da Estratégia Saúde da Família – ESF - começaram a ser criadas [10].


A ESF vem substituir o modelo de saúde vigente, dando prioridade à ações preventivas, de recuperação e proteção da família de forma integral e perene. Através de suas equipes multiprofissionais, centralizadas nas UBS – Unidades Básicas de Saúde - a ESF reorientou o modelo assistencial. Sendo responsáveis por um número pré-determinado de famílias na região onde estão inseridos, os profissionais de cada equipe realizam as ações na área de promoção de saúde e demais atividades de educação em saúde [10,11].


Uma equipe típica de unidade de Saúde de Família é composta por um médico generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Do profissional é exigida uma postura ativa e dinâmica, estando entre suas responsabilidades conhecer a realidade das famílias atendidas; identificar os problemas de saúde prevalentes; elaborar, em conjunto com a comunidade, estratégias de enfrentamento dos fatores de risco à saúde; desenvolver processos educativos, entre outros [12].


O trabalho na ESF está inserido na Atenção Primária à Saúde, sendo a entrada principal do indivíduo no SUS. Com o objetivo de aumentar o alcance das ações e oferecer uma gama maior de serviços, foi criado, através da portaria GM 154/2008, o NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Este núcleo é composto por profissionais de outras especialidades, e se divide em NASF 1 e 2. No NASF 1, a equipe deverá ser composta por no mínimo 05 profissionais de nível superior (Psicólogo; Assistente Social; Farmacêutico; Fisioterapeuta; Fonoaudiólogo; Educador Físico; Nutricionista; Terapeuta Ocupacional; Médico Ginecologista; Médico Homeopata; Médico Acupunturista; Médico Pediatra; e Médico Psiquiatra) vinculado a um número que varia entre 08 a 20 Equipes de Saúde da Família. Já o NASF 2 abarca um número menor (mínimo de três profissionais) e que não sejam coincidentes, e estará vinculado a pelo menos 03 equipes de Saúde da Família [13].


Se antes a saúde tinha um enfoque totalmente centrado no modelo biomédico, agora ela começa a apresentar uma forma de trabalho integral, que entenda o ser humano de forma holística. Com a incorporação de novos saberes e disciplinas, os profissionais envolvidos começam a atuar coletivamente, exigindo assim novas posturas e formas de exercer a prática em saúde. É neste cenário diversificado que a Psicologia pode contribuir com seu corpo teórico e suas técnicas [14].


PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO DA ÁREA DA SAÚDE

O termo psychología deriva de duas palavras gregas: psiché (alma) e lóghos (palavra, razão, estudo). Pode-se entender, então, que a Psicologia é a ciência que estuda a mente (ou a alma) do homem. Visa compreender o que as pessoas fazem, como se adaptam, o que sentem, o que lhes causa conflitos internos, sofrimentos e como se percebem no meio em que estão inseridas [15]. Estes são alguns dos tópicos da Psicologia como ciência, uma ciência que fala do homem e sua subjetividade, de seus sonhos e desejos [3]. Como profissão, a Psicologia se norteará por caminhos ora mais práticos, ora mais reflexivos.


No Brasil, a profissão de psicólogo foi reconhecida em 27 de agosto de 1962, sob a lei 4.119/62. Estão habilitados a exercer a profissão aqueles que concluírem o curso de graduação e efetivarem registro no órgão profissional competente [3,16]. Sua prática se estende pelas áreas clínica, escolar, organizacional, institucional, comunitária e hospitalar. Nas últimas décadas, uma concepção que vem ganhando força é a do psicólogo como profissional de saúde. Em 6 de Março de 1997, o Conselho Nacional de Saúde, através da resolução 218, reconhece o psicólogo como profissional de saúde de nível superior [17].


Como profissional que pode aplicar seus conhecimentos e técnicas para a promoção da saúde, o psicólogo se vê desafiado a repensar suas práticas e referenciais teóricos para dar conta da nova demanda. O enquadre, que antes ocorria nos limites do consultório, agora pode acontecer na instituição, nas salas de atendimento, na rua e em qualquer lugar. A distância entre profissional e paciente, antes tão defendida, agora dá lugar a uma proximidade maior entre as partes. [18] Não mais é cobrado a atuar no âmbito secundário e terciário, mas também no primário (prevenção), já que muitos fatores contribuem para a saúde, e os psicológicos estão certamente entre eles. Um dos problemas relacionados ao modelo biomédico é o fato de que ele não consegue explicar, de forma satisfatória, por que uma forma de tratamento ou intervenção pode curar determinada patologia em um sujeito e não ser eficaz em outro.


Dessa forma, o psicólogo da saúde atuará nos fatores psicológicos e sociais que influenciam as demais práticas em saúde [19]. A forma como as pessoas se comportam e como interpretam os fatos da realidade influencia direta ou indiretamente seu estado clínico. Através de seus conhecimentos e fazeres, o psicólogo irá atuar na manutenção da saúde, prevenção da doença e na readequação de comportamentos disfuncionais que possam colocar em risco pessoas saudáveis. É papel do psicólogo adotar posturas psicoprofiláticas e orientar os sujeitos para que desenvolvam a autonomia e o autogerenciamento de sua saúde, promovendo o bem-estar e não somente o curar [2].




Entre as atribuições do psicólogo que atua na área da saúde, estão:

• Promover uma reflexão acerca da subjetividade através da abordagem de temas pertinentes como autoconhecimento, família, trabalho, saúde, lazer, dinheiro, etc;

• Capacitar os sujeitos na autogestão de seu bem-estar, através da consciência crítica em relação ao binômio saúde-doença;

• Incentivar a troca de experiências, a redução do isolamento e o feedback através do apoio social, proporcionando assim o desenvolvimento pessoal dos sujeitos e a elevação da autoestima;

• Fornecer subsídios para que o indivíduo saudável mantenha seu status e, aquele que se encontre em situação de risco possa desenvolver suas próprias estratégias de autocuidado;

• Incentivar a mudança de comportamento, trabalhando positivamente a motivação dos sujeitos.


Por ter como finalidade compreender como é possível, através de intervenções psicológicas, contribuir para a melhoria do bem-estar dos indivíduos e das comunidades, a psicologia na saúde pode ser apontada também como uma Psicologia Social da Saúde [14]. Além do trabalho com grupos específicos (gestantes; diabéticos; tabagistas), e da atuação direta na área de saúde mental, as intervenções realizadas pelo psicólogo contribuirão para a redução de internações hospitalares, diminuição da utilização de medicamentos e utilização mais adequada dos serviços e recursos de saúde.
O PSICÓLOGO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

A participação do psicólogo na ESF se deu através da implementação do NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família, a partir do ano de 2008. É papel do NASF construir equipes multiprofissionais, formadas por profissionais de saúde generalistas, e estes serão apoiados por profissionais de outras especialidades. A equipe atuará então com foco em identificar e intervir de forma a prestar o melhor atendimento possível ao indivíduo que demande assistência, fazendo com que este não seja visto apenas como mais um “doente”. Esta forma de atuação é o que se chama apoio matricial, e tem como objetivo garantir que as equipes formem vínculos estreitos com os usuários das unidades de saúde, responsabilizando-se pelas ações desenvolvidas, o que garantirá a integralidade da atenção em todo o sistema de saúde [20].


Enquanto no atendimento individual, em consultório, o psicólogo enfatiza a patologia, a disfunção ou questão emocional perturbadora, e procura uma cura para um sofrimento diagnosticado, no trabalho com a comunidade desempenhará uma função de promotor do bem-estar [2]. Porém, na ESF existem obstáculos importantes para que o profissional desempenhe suas funções. A principal delas é transpor o arcabouço teórico oriundo da graduação para a rotina diária no contato com o indivíduo que demanda atendimento. Isso implica muitas vezes em confrontar o saber acadêmico com o conhecimento popular, sem o primeiro dominar o segundo, e sim absorvê-lo. A realidade do sujeito deve servir de base para o estabelecimento de um diálogo, em relação horizontal, bidirecional e democrática. Este encontro sedimentará a vínculo que o profissional deverá estabelecer com o usuário e através dele desempenhar seu trabalho [23,24].


Na ESF, o NASF se converte em instrumento de expansão do trabalho em saúde mental. A atuação do psicólogo vem muitas vezes de encontro com modelos pré-estabelecidos de intervenção, que buscam uma resposta rápida e preferencialmente aplicada de forma única, desconsiderando na maioria dos casos o acolhimento às reais necessidades dos usuários. A equipe é cobrada a enfrentar diversas demandas, negligenciando questões mais subjetivas. Percebe-se que o papel do psicólogo acaba abarcando não só o suporte à equipe para o manejo da clientela que faz uso dos serviços de saúde mental, mas também o apoio à equipe em si para resolver questões internas e desenvolver novas estratégias de atuação. Esse apoio [24] pode ser detalhado e elencado da seguinte forma:

• Capacitar as equipes de estratégias de saúde da família para a escuta, acolhimento e manejo, no território, dos usuários em acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), usuários em situação de risco psicossocial e casos novos identificados pela equipe;

• Discutir e capacitar as equipes de saúde da família para o manejo dos casos reativos às adversidades da vida que, em sua maioria, não necessitam de intervenção medicamentosa, de forma a não legitimar como doença um mal estar que é inerente ao ser humano;

• Acolhimento conjunto de psicologia e saúde da família aos casos que demandem esclarecimento;

• Discussão conjunta, matricial e equipe de saúde da família, dos casos clínicos que demandem atenção especializada;

• Visita domiciliar conjunta, matricial e equipe de saúde da família, após discussão clínica;

• Capacitação das equipes para a realização, na unidade de saúde e na comunidade, de grupos de reflexão com foco na promoção de saúde, não centrados na doença;

• Avaliação conjunta, pelo psiquiatra e generalista, da medicação em uso e ajuste conforme necessidade;

• Contribuir nas discussões, reflexões e ações de promoção de saúde junto às equipes de saúde da família e comunidade para o fortalecimento da proposta de mudança de modelo de assistência em saúde preconizado nas Políticas Nacionais de Atenção Básica e de Promoção de Saúde, bem como as reformas Sanitária e Psiquiátrica.


Outros estudos [25,26] já apontavam que a participação do psicólogo no NASF é bem aceita pelos demais profissionais de saúde de outras categorias, haja vista os benefícios à população e à equipe que ele pode trazer ao integrar os núcleos. No entanto, um maior apoio de órgãos governamentais se faz necessário para que as contribuições da Psicologia sejam mais difundidas e disponibilizadas à população. DISCUSSÃO

Foram levantados 16 artigos, sendo que 9 foram analisados por abordarem de forma mais explícita o tema deste trabalho. Após leitura exploratória do material, o mesmo foi submetido à análise e confronto com outros referencias teóricos, além da experiência profissional do autor. Três dos estudos pesquisados [24,25,26] destacam de forma mais significativa que o psicólogo sai da graduação sem ter aprofundado disciplinas que o instrumentalizem para o trabalho em saúde pública. Tal situação se deve à forte identificação com o modelo de atendimento clínico individual, que é a forma mais conhecida do profissional desempenhar o seu trabalho, mas inadequada ao atendimento na ESF.


Os autores concordam que ocorre comumente uma transposição de teorias, abordagens e settings do trabalho em consultório para o SUS. Bleger [2] já havia observado que ao adentrar no âmbito coletivo, institucional ou público, o psicólogo não deve procurar se instalar em uma sala de forma passiva, mas sim ir a busca de sua clientela. Tal atitude implica muitas vezes em uma total reformulação de práticas e construção de novos saberes, indicando um caminho para o psicólogo, que é tornar-se um profissional de promoção da saúde e não um clínico da doença.


A falta de conhecimento sobre o SUS e de como funciona a saúde pública acaba influenciando negativamente a maneira como o psicólogo desempenha suas atividades, acarretando abandono prematuro de tratamento por parte dos usuários da unidade de saúde; integração deficiente com os demais profissionais da equipe, além de colocar em questão a importância de sua presença como profissional da área de saúde. Após a Reforma Psiquiátrica, que preconiza a desconstrução do modelo manicomial e a humanização do atendimento, a participação do psicólogo se fez mais do que necessária no SUS [27]. Mas é importante observar que o campo da saúde mental não é o único destino do psicólogo na ESF. Através do trabalho interdisciplinar diversas atividades podem ser desenvolvidas [11,28], como grupos da 3º idade; visitas domiciliares; grupos de reeducação alimentar; trabalho com usuários de psicofármacos; psicoterapia de grupo; entre outros. Esta atuação diversa mostra que é possível oferecer atendimento que ultrapasse patologia e inclua também as questões sociais.


A crítica ao modelo influenciado pela Psicanálise é constante, pois esta abordagem, em sua concepção mais tradicional, presume um distanciamento entre profissional e paciente, além de uma postura menos ativa por parte do psicólogo. Assim, pode-se afirmar que o modelo psicanalítico puro não é eficaz para a saúde pública, haja vista que as demandas transcendem o tratamento de “questões do inconsciente” e são mais concretas, como desemprego, condições inadequadas de moradia e saneamento e a violência doméstica. O acolhimento e a proximidade entre psicólogo e paciente se fazem necessários para que o trabalho possa fluir e trazer maior resolutividade aos serviços prestados [29].


Mesmo com críticas, a Psicanálise é a abordagem de maior influência na saúde pública em nosso país. Seu arcabouço teórico oferece não só um entendimento aos processos mentais do indivíduo, mas também faz interfaces com as ciências sociais de modo a dar suporte para a compreensão do coletivo. Freud já falava desta relação em seus textos, entre eles Psicologia de grupo e análise do ego [31]. Bleger [2] traz contribuições sobre o uso da Psicanálise nas instituições de saúde pública. Outras abordagens também já foram utilizadas, como mostrado nos trabalhos de Tavares [28], que usou um referencial junguiano, e Cury e Sousa [30], que se basearam em uma leitura fenomenológica.


Nos dados contidos no material pesquisado fica claro que, independente da linha teórica a qual o psicólogo tenha maior afinidade, domínio (ou seja influenciado), deverá ter em mente que, na prática, provavelmente usará de adaptações e ajustes, além de conhecimentos oriundos de outras áreas para que possa fazer o seu trabalho com a população que demanda atendimento na ESF. A abordagem teórica é o que dá lastro à prática do profissional e jamais deve torna-se uma amarra e sim uma ferramenta a ser moldada para melhor desempenhar seus propósitos e nunca subjugar o indivíduo.

CONCLUSÃO

No que tange a adoção do modelo de atenção sob enfoque da integralidade, o desafio à categoria dos psicólogos remete a mudanças estruturais que têm início na própria formação acadêmica dos profissionais, pois o psicólogo ainda recebe nas universidades forte influência da vertente biomédica da atenção clínico-assistencial. A importância desta questão está na dificuldade ainda pulsante em articular os conhecimentos da Psicologia com sua dimensão social, além de fortalecer laços com as outras profissões.


Cabe também aos psicólogos um maior interesse e atuação na área, seja reivindicando melhores condições de trabalho por parte dos órgãos públicos, seja contribuindo de outras formas, como a pesquisa em saúde coletiva, para que a profissão possa também se consolidar nesta área que ficou por décadas marginalizada pelos membros da categoria. Não vemos outra forma de mudança a não ser aquela que já comece nos cursos de graduação, com mais disciplinas e atividades que estejam alinhadas com as diretrizes do SUS.


Com todos estes pontos de melhoria a serem trabalhados, ainda assim a perspectiva é promissora para a atuação do psicólogo na ESF. O sofrimento psíquico é inerente ao ser humano, sendo causa ou agravante de varias mazelas, mas que podem ter seus efeitos minimizados. Através de informação de qualidade, oferecida por profissionais devidamente capacitados e cientes de seu papel na saúde pública, é possível perpetrar mudanças de atitude que visem a saúde e a qualidade de vida dos usuários da ESF. O psicólogo, como os demais profissionais da equipe, tem uma função intermediadora entre a instituição pública e a população. Essa postura requer uma mudança, uma reeducação do profissional para que ele possa assumir esta responsabilidade, não sendo apenas um agente interventor na população, mas também ser um membro-participante desta comunidade.


REFERÊNCIAS

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Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Fabio Fischer de Andrade

por Fabio Fischer de Andrade

Psicólogo formado pela Universidade Catolica de Santos - 2008. Pós-graduado em Saúde da Família pela Universidade Gama Filho - 2012. Atua na área de Promoção da Saúde e Prevenção de doenças em empresa de saúde suplementar.

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