Plantão Psicológico na Ala Psiquiátrica de um Hospital Geral

Estabelecer um diálogo com estes pacientes e escutá-los em seus momentos
Estabelecer um diálogo com estes pacientes e escutá-los em seus momentos

Psicologia

30/04/2014

Resumo

Este trabalho tem como objetivo promover uma maior compreensão através do relato de experiência sobre o papel do psicólogo em Hospitais Gerais, dentro da Ala Psiquiátrica do Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia na cidade de Poços de Caldas, MG. Também faz uma reflexão sobre a inserção dessas Alas Psiquiátricas nos Hospitais Gerais e a necessidade de se ter serviços adequados e profissionais capacitados para atender as demandas apresentadas. Para que este estudo fosse possível, realizou-se Plantão Psicológico e, também, atividades de desenho, com o objetivo de trabalhar a motricidade e o lúdico destes pacientes. Concluiu-se que o psicólogo-plantonista, dentro da Ala Psiquiátrica do Hospital Geral, deve estar sempre preparado para lidar com situações inesperadas, pois estará constantemente diante do não-planejado. Ele deve, também, estabelecer um diálogo com estes pacientes e escutá-los em seus momentos de incertezas e de decisões quanto ao seu tratamento, possibilitando, assim, a promoção do sentimento de segurança desses pacientes, fazendo com que aumente a tolerância ao ambiente e às exigências de sua internação.


O artigo foi realizado em 2010, em função da matéria Práticas Psicológicas nas Instituições de Saúde, do curso de graduação em Psicologia da PUC Minas, campus, Poços de Caldas.



1. INTRODUÇÃO


Atualmente, segundo Palmierie Cury (2007), os psicólogos vêm enfrentando algumas dificuldades quanto ao trabalho em instituições. Uma das saídas que estes profissionais vêm buscando é a redefinição da concepção clássica de Psicologia Clínica, para que possam se aproximar das novas demandas. Surge, então, uma atuação mais abrangente que responde às necessidades da comunidade em seu cotidiano. Este tipo de atendimento conta também com o auxílio do Plantão Psicológico, que traz uma forma de solucionar a grande demanda de pacientes à espera de atendimento psicológico em instituições públicas e privadas, já que estas pessoas podem se beneficiar, na maioria das vezes, de um único encontro com um psicólogo.


Neste artigo relata-se a experiência de um Plantão Psicológico realizado dentro da Ala Psiquiátrica do Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia, na cidade de Poços de Caldas – Minas gerais, em função da matéria Práticas Psicológicas nas Instituições de Saúde, do curso de graduação em Psicologia da PUC Minas, campus Poços de Caldas. Também faz uma reflexão sobre a inserção dessas Alas Psiquiátricas nos Hospitais Gerais e a necessidade de se ter serviços adequados e profissionais capacitados para atender as demandas apresentadas. Durante a realização do estágio, surgiu a proposta de realização de uma atividade de desenho, com o objetivo de trabalhar a motricidade e o lúdico destes pacientes.


Acredita-se que o estabelecimento de atividades dirigidas dentro de uma Ala Psiquiátrica possa favorecer o bem-estar e a melhoria do estado emocional dos pacientes que se encontram em situações de estresse prolongado ou de crise. Estas atividades propiciam ainda, o desenvolvimento do estado emocional dos pacientes de forma a auxiliá-los na tolerância dos níveis elevados de angústia e de ansiedade que vivenciam dentro do hospital. A utilização destas técnicas associadas à assistência psicológica tem como objetivo promover a adaptação mais rápida destes pacientes na Ala Psiquiátrica, por meio de um vínculo de confiança e conforto.


Com o Plantão Psicológico, tivemos como proposta um caráter emergencial, no qual buscamos responder à demanda emocional imediata e espontânea do paciente. Outra característica do Plantão foi o acolhimento, visando a confiança do paciente para avaliar as situações externas e internas, compreender a si mesmo no seu contexto e fazer escolhas construtivas para sua vida.

2. A ALA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL

Antigamente, as pessoas que possuíam algum problema psíquico eram deixadas nos porões de hospitais das Santas Casas junto com mendigos, ociosos, entre outros. A partir do século XVIII, de acordo com Alencastre e Hildebrant (2001), a loucura começou a ser vista e considerada como doença mental e passou a ter um espaço próprio para o tratamento das pessoas que as tinham, o chamado hospício. Neste local, as pessoas ficavam isoladas do restante da sociedade, eram reprimidas e controladas o tempo todo. Como este local não proporcionava melhoras pra essas pessoas, surgiram os movimentos da Luta Antimanicomial que propunham mudanças e novas alternativas ao modelo clássico da Psiquiatria.


Desde então, o Hospital Geral passou a se inserir nas práticas de atenção à doença mental. Este hospital passou a ser considerado um local adequado para a internação de pacientes com o agravamento de seus sintomas. Ou seja, ele passou a ter um papel muito importante no tratamento dos pacientes que possuem algum tipo de doença mental. Mas, para que esse tratamento seja eficaz, é necessário que as equipes de saúde se organizem e ofereçam serviços adequados para atender humanamente esses indivíduos, olhando sempre para a subjetividade de cada um.


Uma das possibilidades para atender essas pessoas e fazer com que suas histórias de vida sejam levadas em consideração, devolvendo a elas o lugar de sujeitos de sua própria história, é a realização de atendimentos psicológicos além do atendimento psiquiátrico, que possui função medicalizante. Estes atendimentos possibilitam analisar os fatores sociais e subjetivos que podem ter influenciado, também, no estabelecimento da doença psíquica.


Por se tratar de uma Ala Psiquiátrica em um Hospital Geral, a rotatividade desses pacientes é muito grande, o que dificulta a realização de psicoterapias de longo prazo. A possibilidade é realizar o Plantão Psicológico, que acontece em poucas sessões e atende as demandas de maior urgência.


O Plantão Psicológico, uma nova modalidade de atendimento clínico, tem base humanista, sendo um serviço de atendimento emergencial no momento de crise. De acordo com Mahfoud (1987), o Plantão Psicológico tem que ser delineado a partir de três vertentes: a da instituição que oferece o serviço; a do profissional disponível para o não-planejado e a do paciente que busca auxílio para suas necessidades emergentes.


Este tipo de Plantão Psicológico possibilita um espaço para que as pessoas tragam suas demandas, conscientizem-se melhor sobre si mesmas e sobre a realidade em que vivem e para que tenham a possibilidade de possuir diferentes recursos disponíveis para tentar resolver seus problemas.


De acordo com Palmierie Cury (2007), há uma grande necessidade da inserção do psicólogo nas instituições de saúde, principalmente realizando atendimentos psicológicos com os profissionais da equipe de saúde, para que estes tenham um melhor desempenho em seu trabalho e, consequentemente, ofereçam um atendimento de qualidade às pessoas que procuram estes serviços.


Ainda, segundo as autoras, para que o serviço de Plantão Psicológico se realize a instituição precisa ter a presença de psicólogos em determinados lugares e horários previamente estipulados para que, no momento que um paciente ou um profissional da saúde sinta a necessidade de um acolhimento, ele saiba onde procurar este serviço. É de responsabilidade do psicólogo-plantonista, esclarecer sobre o atendimento psicológico à instituição, ajudando-a a compreender seu funcionamento e promover sua inserção.


Por isso percebe-se que a inserção do psicólogo na instituição de saúde é de grande importância, e a ação dele em função de esclarecer seu trabalho neste local possibilita com que os profissionais da saúde compreendam e possam trabalhar em equipe, fazendo assim que os serviços oferecidos aos pacientes seja integrado e de qualidade.

3. RELATO DE EXPERIÊNCIA

A inserção de práticas de atenção à doença mental no Hospital Geral teve grande importância, pois passou a ser uma alternativa ao modelo clássico da Psiquiatria. Mas, assim como Alencastre e Hildebrant (2001) disseram, para que esse tratamento dentro do Hospital Geral seja eficaz é necessário que os profissionais da saúde ofereçam serviços que se adéquem as necessidades desses indivíduos com sofrimento psíquico, levando em consideração a subjetividade dos mesmos.


Pode ser que em Hospitais Gerais de grandes cidades isso realmente aconteça, mas no caso da Ala Psiquiátrica do Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia, de Poços de Caldas, esse fato não foi percebido.


O trabalho proposto pelo estágio realizou-se uma vez por semana, tendo a duração de três a quatro horas, respeitando a necessidade de cada momento.


Desde o início do estágio percebeu-se que na Ala Psiquiátrica deste hospital, os pacientes ficam dentro de um espaço pequeno e precário, sem um local específico para atividades terapêuticas e ocupacionais, assim como sem profissionais adequados para a realização destas atividades; existindo apenas um pátio onde tomam sol com nenhuma estrutura para atividades esportivas.


Ficam disponíveis aos pacientes apenas algumas revistas para leitura e uma televisão na qual assistem DVDs de música ou escutam alguns CDs, sendo poucas as variedades e muitos reclamam que são sempre as mesmas músicas e os mesmos vídeos pra assistirem. Também não realizam nenhuma atividade manual, artesanal ou atividades que exercitem a mente, como jogos de raciocínio lógico que são indicados para trabalhar a lucidez e a rapidez de raciocínio.


Outro ponto que pode ser percebido é que alguns dos pacientes que são dependentes químicos não gostam de conviver com pacientes que desenvolveram algum tipo de transtorno mental/psicose. Eles se sentem incomodados com isso justamente por terem o estigma que a sociedade carrega sobre estas pessoas desde os séculos anteriores, o de que elas são loucas; achando que por terem uma “mente sã”, por serem apenas dependentes químicos eles não possuem uma doença mental como os outros e deveriam ter um atendimento diferenciado e um local separado para se tratarem.


Em um determinado dia de Plantão Psicológico nesta Ala, houve um acontecimento que frisou muito a falta de informação sobre determinadas doenças e o preconceito que esta falta de conhecimento provoca. Um paciente foi transferido para a Ala Psiquiátrica e chegou utilizando uma cadeira de rodas. Os pacientes que se encontravam na Ala há mais tempo já tinham ouvido falar deste rapaz e sabiam que ele era HIV positivo. Quando este rapaz chegou nenhum dos outros pacientes se aproximou ou buscou conversar com ele. Alguns dependentes químicos ficaram agitados com sua presença e mostraram preocupação em relação à doença e a transmissão da mesma pela convivência.


Isto demonstra o preconceito que as pessoas criam sobre determinados fatos por conta da pouca informação sobre determinados assuntos. Cabe aqui a intervenção dos psicólogos-plantonistas, de modo que seja realizado um esclarecimento sobre as dúvidas e medos originados diante de determinados acontecimentos. Esta intervenção auxilia tanto na obtenção de conhecimentos como na melhora da socialização e convivência entre estes pacientes.


Outra preocupação que os dependentes químicos apresentaram devido à falta de informação, foi sobre quais os malefícios que as drogas causam e quanto tempo elas permanecem no organismo. Estas informações foram levadas, durante o plantão, a partir de intervenções informativas fazendo com que eles tirassem suas dúvidas e obtivessem mais conhecimentos sobre as situações que os colocaram ali, e auxiliando-os na sua estadia dentro da Ala Psiquiátrica do hospital durante o processo de tratamento.

Dentro do estágio realizado foi proposto, também, a realização de uma atividade de desenho com o objetivo de trabalhar a motricidade e o lúdico destes pacientes.


Percebe-se que psicólogos-plantonistas em Alas deste porte também têm a possibilidade de realizar, além dos atendimentos psicológicos, atividades ocupacionais que por si só trazem uma quantidade enorme de informações sobre a subjetividade de cada um dos pacientes. Além de serem utilizadas com fins terapêuticos, estas atividades lúdicas ainda servem para que tenhamos a possibilidade de compreender como funciona o raciocínio desses portadores de transtornos mentais e de entender como é o sofrimento psíquico interno, pelo qual cada um passa por consequência da sua doença.
Em situações de adoecimento e de crise, o suporte familiar é de fundamental importância no auxílio ao paciente.


A inclusão dos familiares no tratamento e o reconhecimento de suas necessidades viabilizam intervenções psicoterápicas efetivas, sejam elas informativas, de suporte ou psicodinâmicas. As intervenções familiares que promovem o encorajamento da expressão dos afetos demonstram benefício na diminuição da ansiedade e na qualidade de relação com a equipe. Na Ala Psiquiátrica do Hospital Santa Lúcia, esta inclusão dos familiares no tratamento não é realizada. Os familiares dos pacientes os visitam em dias e horários fixos, horários esses que não passam de duas horas de duração, onde levam comida e roupa (acessórios necessários de higiene e alimentação), e retornam pra suas casas.


Não fazem um acompanhamento do tratamento de seu familiar internado, não participam de atividades na Ala Psiquiátrica junto a eles e não interagem com a equipe de profissionais da saúde que cuidam desses pacientes. Nesta situação, caberia ao psicólogo pensar e propor, juntamente com a equipe de profissionais da saúde e com a coordenação do hospital, uma nova condição de relacionamento familiar com esses pacientes, uma nova possibilidade de interação entre eles, para que o tratamento e as intervenções psicoterápicas sejam mais efetivas ajudando esses portadores de sofrimento psíquico a conseguirem lidar melhor com a sua doença e a viverem com mais qualidade de vida.
4. CONCLUSÃO

A partir das atividades realizadas dentro do Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia, pode-se perceber, inicialmente, que o psicólogo deve estar sempre preparado para lidar com situações inesperadas, pois estará constantemente diante do não-planejado. Outra questão que merece destaque é o fato de que, tanto o psicólogo como o paciente, precisam estar cientes da possibilidade do atendimento ser realizado em apenas um encontro, o que irá exigir maior sensibilidade deste profissional frente às questões mais emergentes.


Estabelecer um diálogo com estes pacientes e escutá-los em seus momentos de incertezas e de decisões quanto ao seu tratamento são, também, intervenções que fizeram parte desta vivência dentro da Ala Psiquiátrica. Pode-se notar que este cuidado possibilitou o sentimento de segurança dos pacientes, fazendo com que aumentasse a tolerância ao ambiente e às exigências de sua internação.




REFERÊNCIAS

ALENCASTRE, M. B; HILDEBRANDT, L. M. A inserção da psiquiatria no hospital geral. Rev. Gaúcha de Enf., v.22, n.1, p.167-186, Porto Alegre, 2001.


CURY, V. E.; PALMIERI, T. H. Plantão psicológico em Hospital Geral: um estudo fenomenológico. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. Psicol. Reflex. Crit. vol.20, no.3, Porto Alegre, 2007.


MAHFOUD, M. A vivência de um desafio: Plantão psicológico. In R. L. Rosenberg (Ed.), Aconselhamento psicológico centrado na pessoa (pp. 75- 83). São Paulo, SP: EPU, 1987.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Gabriela Teixeira Neto

por Gabriela Teixeira Neto

Psicóloga Criminalista. Graduada em Psicologia e Pós-Graduada em Saúde Mental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Experiências nas áreas de Saúde Mental, Dependência Química, Psicologia Social e Criminal.

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