Sobre as Primeiras Entrevistas

A ideia deste trabalho é possibilitar a reflexão das primeiras entrevistas
A ideia deste trabalho é possibilitar a reflexão das primeiras entrevistas

Psicologia

31/05/2014

O presente trabalho aborda a atuação do psicólogo nas primeiras entrevistas e a não continuidade do processo psicoterápico, assim como suas implicações: demanda, sofrimento psíquico, aliança terapêutica, transferência, condições de realidade, capacidade de “insight” e motivação.


A ideia deste trabalho é possibilitar a reflexão das primeiras entrevistas na prática clínica e, através desta, desenvolver e aprimorar as técnicas e habilidades do psicólogo para entender o significado da vinda do paciente. A busca de ajuda requer do profissional compreensão da demanda e sensibilidade para decifrar o que está levando a pessoa ao sofrimento. Este momento é decisivo para o início ou não de um tratamento, portanto, exige conhecimento técnico, teórico e principalmente a escuta terapêutica. É necessário que haja percepção do todo e “saber devolver” o que foi apreendido do conteúdo ao paciente, respeitando os limites do mesmo.


Tais reflexões partiram de reuniões clínicas com profissionais da área de Psicologia, na Unidade Pompéia da Psicoblue, tendo como proposta a discussão e análise de experiências clínicas das primeiras entrevistas, o entendimento da demanda do paciente e da não continuidade no processo terapêutico. As reuniões eram mediadas por uma supervisora da área.


Um aspecto importante é que a psicoterapia é uma situação de investigação e tratamento, tanto do ponto de vista psicológico quanto científico. O experimentador faz parte do experimento, portanto deve-se considerar os fatos ligados ao terapeuta da mesma forma como o são as manifestações do paciente.


Aqui estão relatados dois exemplos de primeiras entrevistas comentadas nas reuniões em que os pacientes não retornaram.

1) O Sr. L., 28a, veio à consulta queixando-se de dificuldades com sua namorada, por não saber se realmente gosta dela o suficiente para casar-se. Trabalha muito tempo em uma área que não gosta, é formado em direito e não sabe se deve investir na profissão que se formou. Em ambas as áreas, não sabe qual atitude tomar. Ele questiona a abordagem da terapeuta e esta explica-lhe de modo resumido do que se trata. Ela o alerta para que sairá de férias duas semanas antes do início da terapia. O paciente diz que não decidiu o que fazer e que como desconhece as “várias” terapias existentes, aproveitará estas duas semanas para pesquisá-las e caso ele a escolhesse, a mesma seria informada, após as suas férias. A terapeuta ouve o que ele diz e depois das suas férias, constata que o paciente não voltou.


2) O Sr. X., 34a, veio à consulta, pois sente-se muito estressado. Em certas situações sente um incômodo na região da barriga, fica trêmulo e transpira. Quando vai falar com o “patrão” passa várias vezes em frente à sua sala, sem coragem de entrar. No trabalho, fica ansioso, transpirando, e percebe-se pensando em outras coisas, bastante distraído. Outra coisa que o incomoda é a bebida. Quando bebe, aos sábados, faz coisas que não faria se estivesse sóbrio, como conversar com as garotas. Fica nervoso em várias situações.


É policial, casado e tem uma filha de quatorze anos, fruto de uma relação esporádica, tendo a visto apenas por cerca de três vezes. Já tentou revê-la, mas ao chegar na casa fica a rodeando, sem conseguir tocar a campainha.
Pensa em voltar para a Bahia, onde, segundo ele, não há emprego, por isso mudou-se para São Paulo. O terapeuta ouviu o relato e disse-lhe que percebeu que ele estava com algumas dificuldades e precisaria de mais encontros para entender melhor o que se passava. O paciente não mais voltou.


Para direcionar minha hipótese diagnóstica dos pacientes acima, escolhi o critério diagnóstico adaptativo segundo Ryad Simon. Através da adaptação, pode-se analisar o funcionamento de um organismo, seja em relação a si mesmo ou ao seu ambiente. Todo comportamento tem um significado adaptativo, visando um fim consciente ou inconsciente. Para atingir seus fins adaptativos, o organismo precisa integrar diversos sistemas segundo variável grau de consistência. Logo, a partir do que é comunicável, pode-se fazer inferências sobre o estado de integração dos vários sistemas (intelectual, afetivo, etc.), bem como da coerência com seus fins de melhor sobrevivência e assim concluir sobre a adaptação geral do organismo. Por exemplo, o autor chama de “resposta adequada” quando se tem capacidade de insight, observa-se e conhece várias de suas motivações. Como resposta “pouco adequada”, atribui pessoas com pouca capacidade de insight, raramente faz introspecção ou desconhece suas motivações. Quanto à resposta “pouquíssimo adequada” corresponderia a mínima capacidade de insight, onde suas motivações são inacessíveis e com escassa noção do eu real.
Considerando a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada do autor Ryad Simon (1989), podemos, então, destacar as hipóteses sobre o nível de adequação destes pacientes.


a) Resposta Adequada
: quando o sujeito apresenta uma solução e esta proporciona satisfação e é coerente com valores internos e os valores da cultura em que vive (declaração dos direitos humanos - ONU).

b) Resposta Pouco Adequada: apresenta uma solução que dê satisfação, mas cause conflito de valores intra ou extrapsíquicos, ou então, esteja de acordo com os princípios do sujeito e sua cultura, mas não lhe proporcione satisfação.

c) Resposta Pouquíssimo Adequada: a solução encontrada é insatisfatória, e ainda provoca conflitos para o mesmo.


Resultados:

1. Afetivo-Relacional:
pouco adequada e crise; Produtividade: pouquíssimo adequada e crise; Sociocultural: adequada; Orgânico: adequada.

2. Afetivo-Relacional: pouco adequada; Produtividade: pouco adequada e crise; Sociocultural: pouco adequada; Orgânico: pouquíssimo adequada.

Crise: quando precisa-se enfrentar situações novas em sua vida, seja por perda ou ameaça de perda (acidente, morte, aposentadoria, etc.) e/ou aumento de ganho (promoção de cargo, casamento, maternidade, etc). Alterações biológicas também podem gerar crise (menarca, transplantes, mal-estar).


Discussão:

1. Percebem-se várias dúvidas relacionadas à vida do paciente. Ele parece vir procurar respostas, mas, ao mesmo tempo em que diz que vai pesquisar “outras terapias” fica evidente procurar algo para não encontrar a resposta. Ocorre uma compulsão à repetição e dificuldade em vivenciar o novo.


A princípio pode surgir até um impulso do terapeuta em responder suas dúvidas, já que contratransferencialmente pode sentir uma ansiedade por definir as questões do paciente.


A demanda é histérica, o paciente deixa o terapeuta como desejante, e este coloca-se no comando da sessão, saindo “satisfeito”.
2. Sr. X. parece ser a “lei” a todo momento, pois fica policiando-se. Ele treme, temendo perder o controle, principalmente com medo de acabar com o “pai-trão”.


Ele não tem coragem de fazer muita coisa e que coisas ele gostaria de fazer para não ter coragem? Quais são os seus desejos?


Os vínculos parecem difíceis e assustadores. O Sr. X. não retrata o “assunto” que realmente interessa, pois sendo policial os outros devem achá-lo “certinho” inclusive o terapeuta. Ele mostra o que deveria ser e não o que realmente é, talvez pelo receio de comprometer a sua imagem.


A demanda é de angústia, o pai ronda mas não cumpre com o seu papel de dar segurança e conter os desejos do filho. Ele repete a dinâmica de funcionamento e não volta mais.


Conclui-se que os pacientes que procuram psicoterapia costumam chegar com angústias, sentimentos de abandono, tristeza, culpa e humilhação. A expectativa dos mesmos é variada, no entanto, a maioria deles idealiza o terapeuta.
A primeira entrevista é importante como material diagnóstico e início de vínculo favorável entre terapeuta-paciente.


É imprescindível observar as comunicações verbais e não-verbais como: modo de vestir, afeto predominante, tom de voz, movimentos e também aos conteúdos manifesto e latente.


Percebe-se muita ansiedade persecutória, pois se depara com o que é desconhecido. O atendimento telefônico, a recepção da secretária, contrato da sessão, relação com o convênio, enfim, tudo o que estiver ligado ao contexto de atendimento, constituirão elementos para fantasias transferenciais do paciente.


A motivação, a aliança terapêutica, o sofrimento psíquico, a capacidade de “insight”, e as condições de realidade também influenciam a permanência ou não do paciente em terapia. Motivação seria o desejo e a disposição de fazer mudanças em sua vida, pelo menos no plano consciente. O paciente assume a responsabilidade por seus problemas, o que demonstra certo grau de flexibilidade psicológica.


Outra condição para o paciente permanecer em terapia é a capacidade em estabelecer vínculos. Sifneos (1972) coloca que o indicador desta capacidade é que o paciente tenha estabelecido no passado pelo menos uma relação emocionalmente significativa. A disposição para um tratamento depende de uma aflição psíquica, na qual os sintomas são sentidos como limitadores. A capacidade de “insight” é quando se consegue relacionar sentimentos e comportamentos e expressá-los em palavras. Condições de realidade também podem influenciar a permanência ou não, como o dinheiro, tempo, apoio e cultura familiar.
No caso do Sr. L. talvez fosse necessário mostrar que à maneira que ele faz com o terapeuta, de buscar “várias terapias”, age da mesma forma com o seu mundo externo. Ele vive em conflito entre encontrar algo que o satisfaça, mas por outro lado tem medo de encontrá-lo. Deste modo não se envolve.


Já no caso do Sr. X., seria interessante a contenção, mostrando-lhe o quanto devia ser difícil o que passava, e talvez seu sofrimento fosse maior que os sintomas. Essa fala abre espaço para que ele possa trazer algo a mais. Neste caso o terapeuta insinuaria dar conta do conteúdo do paciente.


Tais hipóteses quanto à atuação do psicólogo não garantem o retorno do paciente à próxima sessão, pois é necessário avaliar para o que está motivado e qual a intensidade desta motivação.


A “não motivação” do paciente pode encobrir deficiências técnicas do terapeuta e também dificuldades contratransferenciais, que levam a manter distância do mesmo. Segundo Knobel (1986), a não motivação é simplesmente uma modalidade manifesta de resistência. O grupo que abrange os não motivados são os psicóticos, com transtornos graves de personalidade, adição a drogas/álcool. E o dos com baixa–motivação são os neuróticos graves e borderlines. Os pacientes dos dois grupos apresentam ego frágil e defesas primitivas, o que dificulta o engajamento no tratamento.


A motivação implica no envolvimento afetivo entre paciente–terapeuta e adequação e precisão das intervenções do terapeuta. Em relação às entrevistas, observa-se dificuldade de vínculo dos pacientes e também baixa motivação. Segundo Gertrude e Rubin Blanck (1983), “o problema é como auxiliar as pessoas não motivadas a se tornarem pacientes, no sentido de aceitarem a necessidade do tratamento, e encontrarem a capacidade de admitir uma aliança terapêutica (...). Há uma tendência a dispensar a pessoa conscientemente relutante como sendo não tratável (...). É óbvio que a relutância consciente apresenta obstáculos, porém, podem-se preparar técnicas para lidar com eles”.


Nas entrevistas é importante entender, sinalizar, o que traz sofrimento ao paciente, como, quando e qual significado desta dor. Identificar, perceber o que ocorre com o paciente é entrar em sintonia, ligar-se através da afetividade, sensibilidade e conhecimento.


* Juliana Campos Ferrareze, psicóloga, psicoterapeuta com Especialização em Psicoterapia Psicodinâmica Breve de Adultos.


site: www.julianaferrarese.com.br
Referências Bibliográficas

BLANCK, Gertrude & Rubin. Psicologia do Ego: teoria e prática. In: EIZIRIK, Cláudio e outros. Psicoterapia de Orientação Analítica - teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 69.


EIZIRIK, Cláudio e outros. Psicoterapia de Orientação Analítica - teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.


KNOBEL, M. Psicoterapia Breve. São Paulo: EPU, 1986.


RYAD, Simon. Psicologia Clínica Preventiva: novos fundamentos. São Paulo: EPU, 1989.


SIFNEOS, P. E. Short-term psychoterapy and emocional crisis. In: EIZIRIK, Cláudio e outros. Psicoterapia de Orientação Analítica teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 58.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Juliana Campos Ferrarese

por Juliana Campos Ferrarese

Psicóloga, Pedagoga e especialista em Psicoterapia Dinâmica Breve. Sou psicoterapeuta há 18 anos, atuando em consultório com crianças, adolescentes, adultos e idosos. Também atendo crianças com problemas e dificuldades escolares. ? Encontro Brasileiro da AIPCF-Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família: Corpo e Contemporaneidade em Psicanálise de Casal e Família.

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