Penitenciárias: Universidades do crime organizado

A questão penitenciária no Brasil é um assunto pouco discutido
A questão penitenciária no Brasil é um assunto pouco discutido

Psicologia

09/10/2014

INTRODUÇÃO

A questão penitenciária no Brasil é um assunto pouco discutido, porém seus reflexos moldam a maneira de agir dos brasileiros, quando utilizam de meios tecnológicos modernos para proteção individual e de suas famílias.


A insegurança das pessoas parece aumentar consideravelmente, o simples ato de ir e vir e neste caso também podemos elencar o de morar, como sinônimo de medo. A qualquer hora do dia podemos ser assaltados ou mortos por um bandido ou por uma “bala perdida” que de perdida não tem nada.


Para manter a ordem, o governo através de Leis e de prisões, tira de circulação qualquer indivíduo que não cumpre certas prerrogativas previstas no Código Penal Brasileiro (CPB). Tais medidas deveriam manter a tranquilidade das pessoas, mas a falsa sensação de segurança soa mais alta e suas vidas se tornam uma verdadeira aventura.


Com a ineficiência do Estado na execução da pena, as cadeias tornaram um depósito de pessoas que esperam o benefício da progressão de regime do fechado para o semiaberto e posteriormente para o aberto até a extinção da punibilidade. Esse esperar associado ao ócio tornou um clima insustentável no interior das prisões, mas foi no regime militar com a prisão de presos políticos em penitenciárias juntamente com criminosos comuns que mudou completamente o sistema penitenciário brasileiro.


A primeira forma de organização criminosa dentro das prisões foi a falange vermelha que influenciada por ideais de políticos encarcerados, moldaram de vez o interior das prisões. Agora já não é mais um grupo de pessoas encarceradas que esperam pela liberdade, eles iniciaram conceitos gerenciais de administração para coordenar seus negócios extramuros. Agora o homem encarcerado utiliza da sua subjetivação para organizar-se com seus pares.


O CÁRCERE: UMA BREVE HISTÓRIA


Os primeiros relatos que podemos fazer sobre a privação de liberdade, surgem na antiguidade em tempos de guerras e conquistas territoriais, fadando aos derrotados a escravidão. O Egito possui relatos cerca de 1700 e 1280 a.C. de cativeiros para manter custodiados os escravos, que trabalhavam no cultivo de terras as margens do rio Nilo ou para construção de suas obras faraônicas.


Na Antiguidade o Código de Hamurabi (Lei de Talião) é tido com o mais antigo código de conduta ou justiça. Tal código tem como principal preceito “olho por olho, dente por dente”. Na bíblia também há um código semelhante conhecido como Leis mosaicas contidas na Tora prevendo também a política do olho por olho dente por dente.

Durante a evolução dos cárceres na Idade média os governantes eram os juízes e de maneira arbitraria julgava e por meio a sua classe social ou casta era julgado culpado e poderia ter um membro decepado ou sua vida ceifada além de ser punido em praça pública a exemplo para que outros não cometessem o mesmo erro. Nessa época existiu outro modelo de culpabilidade que se intitulava de “Santíssima Inquisição” e por meio de tortura extraia a “culpa” dos infiéis e assim sendo condenada a morte pela fogueira.


De acordo com Nunes (2005 pag. 46):
Na idade média, a igreja, foi precursora na aplicação da prisão, como forma de castigo àqueles que infringissem seus preceitos, fazendo recolher os monges rebeldes ou infratores em celas individuais, onde mercê de orações e reflexos reconheciam seus próprios pecados e não voltava a cometê-los.


Foucault (1999) traz o termo “regime dos suplícios” onde a punição dos que atentavam contra as regras sociais eram mediante a tortura emocional e física. O principal motivo de total barbárie era de ser um exemplo aos demais para não cometerem tal ato de contravenção e assim as monarquias não terem maiores problemas com os camponeses que estavam em um total estado de miséria e a criminalidade aumentava consideravelmente. Esses rituais em público tem caráter de representar a mecânica do poder de punir dos governos.


Os atos de punição aos poucos foram sumindo de cena, dando lugar a racionalidade e após a revolução francesa, que foi um levante popular contra o regime autoritário e absolutista que eram as monarquias, houve um marco histórico que foi a declaração universal do direito do homem. O homem começara adotar regras sociais que conhecemos como Leis modernas e através dela as punições deixam aos poucos de tornarem-se físicas.


Foucault (1999) diz ainda que:

De qualquer forma, qual é sua importância, comparando-o às grandes transformações institucionais, com códigos explícitos e gerais, com regras unificadas de procedimento; o júri adotado quase em toda parte, a definição do caráter essencialmente corretivo da pena, e essa tendência que se vem acentuando sempre mais desde o século XIX a modular os castigos segundo os indivíduos culpados? Punições menos diretamente físicas, certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade? No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal.


O sistema dos suplícios aos poucos foi dando lugar ao Biopoder na visão Foucaultiana que apresenta dois mecanismos fundamentais que é a disciplina e a biopolítica onde a primeira refere-se ao adestramento dos indivíduos, tornando-os dóceis e submissos. E o segundo age sobre o conjunto de pessoas, que se dá por meio de mecanismo de regulação ou segurança (MOTTA e ALCADIPANI, 2004)
Como podemos observar nosso histórico de prisões percorreu um longo caminho até os dias atuais, onde conceitos foram mudados outros até foram extintitos, mas o principal objetivo do atual modelo das prisões que seria a reinserção do homem encarcerado ao meio social não tem atingido seus objetivos conforme apontou Foucault em seu livro vigiar e punir. A punição perde o sentido se não tem um direcionamento ou caso seja em muitas das vezes arbitrarias ou injustas. A individualização da pena conforme a Lei de Execuções não ocorre nos presídios brasileiros e a punição não se dirige a todos da mesma maneira (SCISLESKI, 2010), produzindo cada vez mais revoltas por parte dos encarcerados.


Com a ineficiência do Estado em facilitar a ressocialização os encarcerados no intuito de fazer justiça as arbitrariedades sofridas, unem-se formando facções no interior das penitenciarias e o principal objetivo é a obtenção de lucros para manter regalias a seus líderes, pagamento de advogados, custear viagens de familiares para visitação de faccionados que estão em outras Cidades ou Estados.


Em Mato Grosso do Sul (MS) a principal facção criminosa é uma ramificação do Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu no interior de presídios paulistas e no intuito de pulverizar a facção o Governo transferiu para outros Estados os principais líderes causando um efeito contrário (DIAS, 2011).


O principal objetivo do PCC em MS é o monopólio do tráfico de drogas, pois o Estado é um corredor natural para transporte de entorpecentes provenientes de países vizinhos. Outro fato crescente é comandar todos os pontos de distribuição de entorpecentes em Campo Grande que é dividido por áreas pelos criminosos e também nos interior do Estado. Ações de sequestro relâmpago também são registradas pela facção além de assaltos, roubos e extorsões.


O principal modus operandi da facção PCC em MS é por intermédio de contato via aparelho celular, cartas, redes sociais dentre outros. Dentro das penitenciarias eles coordenam assaltos, cometem crimes via celular e execuções de desafetos ou de faccionados que não cumprem o seu Estatuto.


Agamben (2009) diz que o dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre numa relação de poder. Tal poder é percebido devido à rotatividade de seus líderes locais dentro das penitenciárias em MS, disputas internas chegam a execução de seus membros onde a insaciável luta pelo poder a qualquer custo leva a atos arcaicos e desumanos dentro dos presídios.


Aos encarcerados que não ingressam na facção, existe uma falsa filosofia de que não será cometida nenhuma injustiça com os demais presos, mas a extorsão e ameaças feitas a familiares do preso não faccionado torna a vida dentro da prisão insustentável financeiramente e fisicamente não restando outra alternativa a ingressar na facção ou cometer crimes para a facção.


Em relatos de internos afirmam que a penitenciária é uma faculdade e quando se refere a mesma diz quais foram as faculdades que já frequentaram.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As prisões não cumprem seus objetivos que seria a reinserção social do apenado, fator que gera um ciclo vicioso e a reincidência no crime é tida com certa, podemos elencar que uma vez condenado, condenado para sempre. O Governo é o primeiro a fazer essa distinção ao abrir um concurso público, constando em seus editais que o candidato não pode ter sido condenado pela justiça.


Esses preceitos estendesse a população imagine como seria contratar um egresso para realizar serviços em nossa casa ou empresa particular, sempre a resposta é negativa, mas a problemática é real e políticas voltadas para a ressocialização não são eficazes, não deixando alternativa a não ser suprir o principal meio de sobrevivência através da reincidência criminal.



REFERÊNCIAS.

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó – SC: Argos, 2009.

DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, University of São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-13062012-164151/>. Acesso em: 2014-06-20.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 20ª Ed. Petrópolis – RJ: Editora Vozes, 1999.

MOTTA, C. P. e ALCAPIDPANI. O pensamento de Michel Foucault nas teorias das organizações. R.Adm., São Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004. Disponível em http://www.rausp.usp.br/busca/artigo.asp?num_artigo=1129

NUNES, A. Realidades das Prisões Brasileiras, Recife: Nossa Livraria, 2005.

SCISLESKI, A. Governando vidas matáveis: as relações entre a saúde e a justiça dirigidas a jovens em conflito com a lei. 2010. Tese (Doutorado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS, 2010. Disponível em: http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/4890. acesso em: 2014-05-05.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.


Paulo da Silva Godoy

por Paulo da Silva Godoy

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