09/11/2014
Resumo
Na prática empreendida em uma enfermaria de um hospital não são poucas as vezes que nos deparamos com a dor e o sofrimento dos familiares de um paciente onde suas possibilidades de cura não mais existem. Esse presente trabalho trata do assunto através de um viés psicanalítico e tenta pensar teoricamente tanto os mecanismos psicológicos envolvidos nesse contexto, como o papel do psicólogo na referida situação hospitalar.
Resultados e Discussão
Lacan trata exaustivamente do tema "Família" no seu famoso escrito Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo de 1938. Nele nos é dito que "É na ordem original da realidade constituída pelas relações sociais que convém compreender a família humana." (LACAN, 2003, p.33).
O tipo de vínculo que é estabelecido na família humana é necessariamente da ordem da cultura. O que leva Lacan a dizer que "(...) a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. (...) em termos mais amplos, ela transmite estruturas do comportamento e de representação cujo funcionamento ultrapassa os limites da consciência." (Ibid, p. 31)
Esse valor cultural e psíquico da família é de extrema importância para pensarmos o assunto, pois todo o sofrimento de um familiar para com o paciente sem possibilidade de cura se dará nesse contexto. É exatamente por estarmos na ordem da cultura, ordem esta na qual entramos via família de acordo com esse texto de Lacan, que podemos reconhecer o outro como semelhante, e com o qual iremos estabelecer laços afetivos. A família, vista aos olhos do Lacan dos anos 30, é a célula primordial de todos os comportamentos que iremos desempenhar no âmbito social.
Um livro bastante interessante que trata do assunto é o A Dor de Amar de Nasio. O mesmo trata dos efeitos psicológicos advindos da perda de alguém que amamos ou dessa possibilidade. O autor conceitua a dor de amar como sendo "uma lesão do laço íntimo com o outro, uma dissociação brutal daquilo que é naturalmente viver junto." (NASIO, 2007, p.31). Nasio também diz que essa dor se localiza exatamente "no laço entre aquele que ama e seu objeto amado." (Ibid)
Nasio argumenta que a possibilidade de perdermos, ou perdermos realmente, alguém que amamos nos traz tanto sofrimento, pois no rompimento do laço afetivo "(...) a homeostase do sistema psíquico é rompida, e o princípio de prazer, abolido." (p.32). Dessa forma, o eu (do familiar, no caso) passa a sentir um intenso caos que é traduzido "na consciência pela viva sensação de uma atroz dor interior." Outro ponto que corrobora o ponto desse estado psíquico ser tão violento é que o mesmo, para Nasio, possui uma qualidade de trauma. Diz ele: "(...) a dor de amar é uma dor traumática." (p.33)
Saindo dos mecanismos psicológicos que possibilitam a dor de amar na relação com o nosso semelhante e partamos para o que podemos fazer com relação aos familiares. Falando em termos dos registros lacanianos fica claro que essa dor é puramente REAL. O papel do psicólogo nesse contexto seria o de através da escuta fazer com que o familiar possa inscrever essa dor também no registro SIMBÓLICO. Trago uma citação de Nasio na íntegra, onde o mesmo irá tratar precisamente desse aspecto:
"Em si, a dor não tem nenhum valor ou significado. Ela está ali, feita de carne ou pedra e, no entanto, para acalmá-la, temos que tomá-la como expressão de outra coisa, destacá-la do real, transformado-a em símbolo. Atribuir um valor simbólico a uma dor que é em si puro real, emoção brutal, hostil e estranha, é enfim o único gesto terapêutico que a torna suportável. Assim, o psicanalista é um intermediário que acolhe a dor inassimilável do paciente e a transforma em uma dor simbolizada." (p.19)
Outro ponto que podemos pensar é sobre o investimento ou desinvestimento que o familiar pode fazer nesse paciente. Alguns, ao ficarem sabendo do que irá acontecer em um futuro próximo, investem maciçamente no doente de forma muito apressada, como que com isto pudessem se doar inteiramente no resto de tempo que o laço ainda continua estabelecido. Já outros, como forma de defesa, param de investir e se resguardam do inevitável. Deve-se atentar que em ambos os casos a diferença e a semelhança se dão no que diz respeito a energia investida/desinvestida. Enquanto alguns investem e outros desinvestem o "suporte de carne" desse outro, essa diferença não existe quanto a presença IMAGINÁRIA do mesmo. Ambos investem de forma igual na imagem do amado fazendo com que o sofrimento seja penoso para ambos os tipos de comportamento, mesmo que os mesmos se diferenciem quanto a seguir investindo ou não na figura real do doente.
Partindo desse ponto de vista econômico não é de surpreender o esgotamento físico e mental dos familiares que se encontram nessa situação. Os mesmos se encontram em uma penosa encruzilhada entre o eu e o outro. Entre o eu e o outro todos nós nos encontramos todos os dias, mas na situação destacada aqui (de familiares x pacientes sem possibilidade de cura) isso se torna penoso por causa do caráter de morte iminente. Essa dimensão trágica e dilaceradora lança sombras sobre essa relação diária e cotidiana.
Considerações Finais
Após o que foi discutido fica clara a importância do profissional de psicologia na mediação entre a dor e o sofrimento dos familiares que se encontram nessa presente situação. Ao emprestar sua escuta e sua presença o psicólogo servirá como um canal por onde uma dor traumática poderá ser elaborada, pelo menos minimamente, e transformada em sofrimento. Isso faz com que o familiar possa atravessar de forma mais saudável psiquicamente o luto de ter perdido um ser amado.
Referências
LACAN, Jacques. Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo. Em Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003
NASIO, J-D. A Dor de Amar. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
SIMANKE, Richard. Metapsicologia Lacaniana: Os Anos de Formação. São Paulo: Discurso Editorial; Curitiba Editora UFPR, 2002
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
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