09/11/2014
Fazendo uma pequena busca no saber literário, várias obras onde o suicídio é tomado como algo crucial nos são apresentadas. Em Shakespeare temos o famoso monólogo de Hamlet (Ato III Cena I) e cenas finais de Romeu e Julieta (Ato V Cena II). Também em duas obras de Tolstói isso nos é colocado, em Ana Karênina (Capítulo XXXI) e no final da novela O Diabo. Impossível também de citar o final de Os Sofrimentos do Jovem Werther de Goethe.
Hamlet nos faz pensar sobre o suicídio como uma possível solução para o sofrimento. Ele diz:
"Ser ou não ser - eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias –
E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem- extinguir
Dores no coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. (...)
(...) Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do mando, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? (...)" (p. 67)
O mesmo se passa com o personagem da novela de Tolstói, o qual apaixonado perdidamente por uma mulher encontra no ato suicida uma válvula de escape para o sofrimento:
Sorrateiramente, como um assaltante, ele apanhou às pressas o revólver e o tirou do coldre. “Está carregado, mas faz muito tempo. E falta uma bala. Seja o que Deus quiser.” Encostou o cano na têmpora, teve um início de hesitação, mas bastou lembrar-se de Stepanida, da sua decisão de não voltar a vê-la, da sua luta interior, das tentações, das quedas, e novamente da luta e estremeceu de horror. “Não, prefiro isto.” E apertou o gatilho. (p. 58)
Há algo bastante parecido nas outras obras citadas. O suicídio é colocado como algo libertador de um sofrimento constante e de um aumento de tensão sentida pelo sujeito, o qual não sabe como dar destino a isso, em todas elas.
O filósofo argelino Albert Camus dedica todo um livro ao tema. Inicia O Mito de Sísifo dizendo: "Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia." (p.19)
Algo extremamente valioso para a prática psicológica, e que podemos apreender de Camus, é que o que faz com que alguém dê um encerramento a sua existência é a mesma coisa, paradoxalmente, que mantém o sujeito vivo. É bastante comum notarmos na clínica que sempre que um paciente tem alguma ideação suicida ela sempre dirá respeito a algo que essa pessoa mais ama, honra, estima e etc. Nesse caso, a razão que mantém uma pessoa viva é a mesma que pode fazer com ela se mate. O referido filósofo indica dois motivos para que alguém se suicide:
"(...) muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outros que, paradoxalmente, deixaram-se matar pelas ideias ou ilusões que lhe dão uma razão de viver (o que se denomina razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer) (p.19)
Pensando o assunto na clínica através da traição, por exemplo, uma paciente pode pensar em se matar após ter sido traída pelo marido. Partindo do que foi dito antes, esse marido que antes era um objeto amado e muitíssimo investido (Mantendo a existência dessa mulher no mundo) após a traição passou a ser algo que presentifica um profundo sofrimento e dor psíquica, tornando-se uma razão de morte para tal paciente.
Algo interessante que podemos articular com a Psicanálise é sobre o excesso pelo qual esses sujeitos são invadidos, e como já mostrado anteriormente pelos exemplos da literatura não sabem o que fazer com isso. Um gozo se inscreve no corpo onda há uma irrupção do Real que toma o sujeito e o submete. Camus faz referência ao caráter da perda do controle ao dizer que "o que desencadeia a crise é quase sempre incontrolável" (p.20)
Um destino possível para esse aumento de tensão, excesso, seria a transformação dessa dor (Real) em sofrimento, articulada na linguagem. Como Lacan traz no Seminário 7 (A Ética da Psicanálise) o maior pecado de um sujeito é ceder em seu desejo. Então, a ética da psicanálise equivalendo a um "Bem Dizer" (Seminário 11) teria como função guiar o sujeito através de todas as suas miragens imaginárias e partindo do Gozo construir algo de significante e inscrito no simbólico. Dessa forma a ideação suicida de alguém deixaria de ter um caráter traumático ao ser bem dita e elaborada ao ser linguajada.
Referências
SHAKESPEARE, William. Hamlet. 2. ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.
SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. 2. ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.
TOLSTÓI, Liev. O Diabo. Coleção 64 páginas. 1 ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.
GOETHE, Johann. Os Sofrimentos do Jovem Werther. São Paulo.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. 2. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012.
LACAN, Jacques. Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (O Seminário - Livro 11). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
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