Um pedaço que me falta ou não?! Eis a questão do membro fantasma!
Psicologia
31/03/2017
Há seis anos tive o ímpeto de escrever um artigo sobre membro fantasma para aprender e entender a dinâmica que acontece com as pessoas que nasceram sem um membro e as que tiveram que amputá-lo decorrente de alguma patologia. Minha curiosidade era conhecer a visão de mundo das pessoas que nasciam sem um membro, e aquelas que, em algum momento da vida, tiveram que amputá-lo por alguma razão. Inicio minha reflexão com a compreensão sobre o ato de ter amputado uma parte do corpo humano e a ideia de um membro fantasma.
Amputação é uma palavra que deriva do latim e o seu significado é a junção de dois termos: ambi = em volta de; putatio = podar; retirar. Pode ser definida, no campo da Medicina, como a retirada cirúrgica, total ou parcial, de um membro ou parte de um membro do corpo dos seres vivos. Para os leigos, o termo “amputação” pode-se associar às sensações de terror, derrota, perda de uma parte de si e mutilação, trazendo de uma maneira implícita sentimentos como a incapacidade e dependência. Felizmente, por um lado, e infelizmente por outro, os médicos recorrem ao recurso de amputar quando é impossível salvar uma vida sem que isto ocorra.
No entanto, de forma geral, a amputação pode ser provocada por problemas vasculares, traumatismos, diabetes, tumor e também por natureza congênita. Devemos ressaltar que a diabetes está entre as doenças mais responsáveis pela amputação. Se o paciente não cuidar dos seus sintomas, seus membros podem chegar a gangrenar, que quer dizer a morte de tecidos em uma área do corpo. É frequente esse fato nas extremidades do corpo como nas pernas e nos pés, e é uma situação potencialmente fatal.
O grande impacto psicológico da perda de um membro é evidente no sentido que nos vemos como um organismo como um todo. São vários os tipos de distúrbios emocionais que podem advir após um evento deste tipo quanto à adaptação física e social como depressão, amargura e pena de si mesmo. Paralelamente, as probabilidades de que distúrbios emocionais venham a se engatilhar às sensações e agravar ainda mais a dor. A amputação é também a perda de uma parte do “eu”, em que a imagem corporal fica comprometida e profundamente alterada. Essa alteração produz uma desvantagem física permanente, provocando muitas vezes alterações de necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais.
Por outro lado, a literatura médica apresenta um transtorno denominado Transtorno da Identidade da integridade Corporal (TIIC) ou Apotemnofilia, caracterizado pelo desejo obsessivo do indivíduo de extirpar partes do próprio corpo, geralmente pernas e, mais raramente, braços. O desejo de se ver livre do membro é descrito como uma sensação de não pertencimento, ou dito de outra maneira, que aquela parte está “sobrando”. Nesses casos, a retirada cirúrgica do membro parece ser o único alívio o para o paciente, embora não haja dados epidemiológicos ou histórico que indique melhoras no bem-estar dessas pessoas.
O médico Richard Bruno, diretor do Hospital Englewood em Nova Jersey (2016)[1], é um dos maiores estudiosos do transtorno. São três tipos de manifestação do TIIC. Em um deles, os pacientes querem ser amputados porque desejam uma deficiência física. São os pacientes chamados wannabes (do inglês want to be = querer ser). Já os pretenders (do verbo em inglês pretend = fingir) costumam estrangular o membro com bandagens ou usar muletas e cadeiras de rodas para simular uma deficiência. Os devotees sentem-se atraídos por deficientes físicos, em particular por pessoas amputadas. Essa vontade pode surgir ainda na infância e estar ligada aos problemas afetivos. Em geral, os pacientes costumam simular secretamente alguma deficiência física ou se sentir sexualmente atraídos por pessoas que possuam algum tipo de deficiência.
Uma pessoa tem direito de amputar partes do próprio corpo? Para a especialista em Ética Médica Annemarie Bridy, da Universidade de Idaho (2016)[2], cirurgias em indivíduos com TIIC são tão legítimas quanto cirurgias plásticas, já que ambas têm o mesmo objetivo: adaptar o corpo a uma imagem idealizada da própria aparência. Bridy lembra ainda o direito dos transexuais de adequar a genitália a sua identidade sexual, que é semelhante à situação de quem é vitima deste transtorno.
Para os especialistas em Ética Médica Tim Bayne, da Universidade Macquarie em Sidney, e Neil Levy, da Universidade de Melbourne, a amputação nesses casos se justificaria quando o desejo que impele esses pacientes é antigo e não psicótico, ou seja, eles têm consciência dos possíveis riscos e consequências. A cirurgia seria, portanto, um mal menor, ou uma forma de reduzir os danos, já que os pacientes recorrem a métodos caseiros que coloca a vida em risco, com resultados fatais em alguns casos. A extirpação do membro indesejado não garante plena satisfação ao paciente, sendo muito comum que o distúrbio migre para outras partes do corpo.
A amputação de um membro saudável quebra o juramento hipocrático, argumenta o médico Arthur Caplan, diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia. O princípio de autonomia do paciente só vale se ele não estiver agindo por obsessão. De uma perspectiva psiquiátrica, o desejo de amputação de um paciente com TIIC é comparável à ânsia de uma anoréxica por emagrecer. Além disso, toda intervenção cirúrgica desse porte oferece risco de infecções, embolias, neuropatias periféricas e Síndrome do Membro Fantasma. O custo da reabilitação médica e da aposentadoria precoce também deve ser levado em conta pelos médicos que cogitarem esse tipo de cirurgia.
Existem alguns tipos de amputações, e mencionamos algumas amputações infeciosas, que têm sido menos frequentes em virtude dos grandes avanços laboratoriais e de desenvolvimento dos medicamentos mais específicos. A meningite meningocócica é uma amputação clássica que se caracteriza por lesões cutâneas que podem causar necroses nas extremidades. Segundo (Carvalho 2001), as infecções podem também estar relacionadas à processos traumáticos. Para Horta (1997), os fatores de risco de causa vascular são: tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, sedentarismo, excesso de peso, antecedentes familiares e estresse.
Outro aspecto da amputação está registrado na Literatura Médica. Há relatos de pacientes que sofreram a perda dos seios, dentes, genitais e mesmo órgãos internos, que durante intermitentes episódios sentem a presença do membro amputado como um formigamento difuso. Esta sensação dá ao paciente a capacidade de “reconstruir” mentalmente toda a extensão do membro amputado, o que pode aterrorizá-lo de forma contínua.
Podemos definir o termo “membro fantasma” corroborando com o neurologista americano Weir Mitchell (1871 apud Nicolelis, 2007), o qual o define a partir de uma impressão contínua da presença de uma parte do corpo que não existe mais, acompanhada ou não de dor, e que não se limita à braços e pernas. As experiências de conviver com um membro fantasma nunca são prazerosas, segundo palavras de Mitchell.
Na realidade, para Mitchell (1871), as estatísticas apontam que não mais de 70% dos pacientes que vivem essa ilusão sofrem algum tipo de dor na primeira semana depois da amputação. Quase 65% das pessoas ainda experimentam dores seis meses depois da remoção cirúrgica do membro. Por volta de 60% relatam sentir algum tipo de dor até dois anos depois. Uma pequena fração de pacientes que sofrem dores fantasmas consegue encontrar alívio com quaisquer das mais de 50 terapias já propostas pela Literatura Médica.
Em muitos casos, o incômodo sentido por pacientes nada mais é do que a persistência do quadro de dor causado pela patologia que determinou a extirpação do membro. Este fato foi observado em entrevistas com pacientes que tiveram membros amputados. A dor severa no membro antes de ele ser retirado apareceu com maior fator de risco para a ocorrência da dor fantasma após a amputação. Podemos incluir neste momento, ideias para complementar a explicação da dor fantasma. A compreensão desta sensação indefinida e incomparável a qualquer outro fenômeno sensorial ocorre com a retirada cirúrgica de um membro ou parte dele, e se instala uma sensação nova. Mas, este termo ainda não possui uma definição clínica mais apurada.
Durante décadas, Wall (1984) e outros neurocientistas documentaram achados que apoiavam a “Teoria de Mecanismos Periféricos“. Porém, a remoção cirúrgica de neuromas, a secção completa dos nervos remanescentes, ou mesmo a lesão das áreas da medula espinhal que teoricamente receberiam os sinais adulterados, não somente deixam de produzir efeitos positivos e duradouros, mas também, num número razoável de casos, podem levar ao agravamento da sintomatologia. Dessa maneira, ao longo das últimas décadas esta teoria perdeu a sua credibilidade.
Melzach (1992) batizou essa teoria de “Teoria da Neuromatriz. Ele postulou que o cérebro contém uma vasta rede de neurônios que, além de responder normalmente à estímulos sensoriais provenientes da periferia do corpo e ter sua atividade modulada por esses estímulos, provoca atividade elétrica contínua, indicando a identidade do nosso corpo e o seu estado natural. Segundo Melzach, esta neuromatriz continua a operar ininterruptamente mesmo depois da remoção de uma parte do corpo e produz atividade elétrica que nos faz sentir a presença de parte de nós, mesmo quando ela não existe mais .
“A assinatura neural”, que segundo Melzach (1992), faz com que o cérebro continue a produzir padrões de atividade elétrica associados com a existência de um corpo intacto, seria determinada, pelo menos parcialmente, pelo nosso genoma e concederia a cada um de nós a sensação primordial do que é o corpo, sua conformação e limites. Em outras palavras, o senso de ser um indivíduo único permanece na mente.
As pesquisas de Penfield (1950) exemplificam o caso, por exemplo, das informações procedentes da área da mão do paciente, as quais foram perdidas depois da amputação. Neste caso, as fibras sensoriais que se originavam na face do paciente, que normalmente ativam apenas o território desocupado da mão, começavam a movimentar as células ali quando o neurologista tocava o rosto do paciente, e este experimentava as sensações da mão fantasma. Mas, se a invasão do córtex da mão também resulta em fibras sensoriais que normalmente inervam a região cerebral acima do córtex da mão (isto é, fibras que se originam na parte superior do braço e no ombro), então o toque em pontos na parte superior do braço devia provocar também sensações na mão fantasma.
Essas descobertas podem ajudar a explicar a própria existência de membros fantasmas. A explicação médica mais popular, mencionada antes é que nervos que anteriormente alimentavam a mão começam a enervar o coto. Além disso, essas extremidades nervosas formam pequenos blocos de tecido cicatrizado chamados neuromas, que podem ser muito dolorosos.
Acrescentando ao que já havia sido levantado sobre modelo cerebral básico, não se poderia deixar de mencionar o Homúnculo de Penfield, que explica a função que o mesmo exerce sobre o corpo humano. O homúnculo é uma estranha imagem artística do modo como diferentes pontos da superfície do corpo estão mapeados na superfície do cérebro. São traços grotescamente deformados com a tentativa de indicar que certas partes do corpo, como os lábios e a língua, são exageradamente maiores do que outras. Vale destacar que o mapa foi desenhado a partir das informações compiladas dos cérebros humanos reais.
Durante as décadas de 1940 e 1950, o ilustre neurocirurgião canadense Wilder Penfield (1950) realizou amplas cirurgias de cérebro em pacientes com anestesia local porque não há receptores de dor no cérebro, embora este seja uma massa de tecido nervoso. Muitas vezes, grande parte do cérebro ficava exposta durante a cirurgia e Penfield aproveitava esta oportunidade para fazer experiências que nunca tinham sido tentadas antes.
Dentre outras constatações, Penfield (1950) descobriu uma estreita faixa que vai do alto até em baixo em ambos os lados do cérebro onde seu eletrodo produzia sensações localizadas em várias partes do corpo. Na área de cima do cérebro, na fenda que separa os dois hemisférios, a estimulação elétrica provoca sensações nos órgãos genitais. Estímulos ali perto despertavam sensações nos pés, seguindo esta faixa o cérebro de cima para baixo. Penfield descobriu áreas que recebem sensações das pernas e do tronco, da mão (uma grande região com uma representação bem destacada do polegar), da face, dos lábios e, finalmente, do tórax e da laringe.
Este “homúnculo sensorial”, como agora é chamado, forma uma representação distorcida do corpo na superfície do cérebro, com desproporcionalidades entre as partes cerebrais e corporais. Por exemplo, a área envolvida com os lábios ou com os dedos ocupa tanto espaço quanto a área envolvida com todo o tronco do corpo. É assim porque os lábios e dedos são altamente sensíveis ao toque e capazes de discriminação muito apurada, enquanto o tronco é consideravelmente menos sensível. Na maior parte, o mapa é bem ordenado, embora esteja de cabeça para baixo: o pé está representado no alto e os braços estendidos estão na base. Contudo, depois de um minucioso exame, verifica-se que o mapa não é inteiramente contínuo. O rosto não está perto do pescoço, mas abaixo da mão e os órgãos genitais, em vez de estar entre as coxas, se localizam abaixo do pé, e eles deveriam estar nas sequências se fosse considerada a mesma lógica de disposição do corpo humano.
Os cirurgiões têm idealizado vários tratamentos para dores em membro fantasma, em que cortam e removem neuromas. Alguns pacientes experimentam alívio temporário, mas, tanto o fantasma quanto a dor associada, geralmente, voltam violentamente na mente dos pacientes. Para aliviar esse problema, às vezes cirurgiões realizam uma segunda ou mesmo uma terceira amputação (tornando o coto cada vez mais curto). Todavia, quando se reflete sobre esses procedimentos, podem aparecer questionamentos duvidosos. Por que uma segunda amputação iria ajudar o paciente? Pode-se criar uma expectativa de um segundo membro fantasma? Parece que isto geralmente acontece, e é um problema de regressão interminável.
Outros cirurgiões chegam a fazer rizotomias dorsais para tratar a dor fantasma, cortando os nervos sensoriais que vão para a medula espinhal. Com é explicado antecipadamente aos paciente, por vezes funciona e outras vezes não. Há aqueles que tentam o procedimento mais drástico de seccionar a parte traseira da própria médula (uma cordotomia) para impedir que os impulsos cheguem ao cérebro. Pode ser também ineficaz. Se forem até o tálamo, uma estação de retransmissão do cérebro que processa os sinais antes que sejam enviados ao córtex, os médicos podem perceber que não ajudaram o paciente e, se “caçarem” fantasmas no cérebro, podem não encontrá-los .
Existem também os níveis de amputações. Citando os dois níveis mais importantes, primeiro estão as amputações tumorais, que tem diminuído consideravelmente graças ao diagnóstico precoce, a radioterapia, a quimioterapia, a utilização de endoprótese, a enxertos e outras cirurgias. Assim, com a introdução dessas novas abordagens, a sobrevivência global aumentou em cerca de 75% (Gonçalves & Cassone, 2001; Rougraff et al, 1994). A incidência é maior em jovens entre 15 e 18 anos no sexo feminino (Gonçalvez & Cassone, 2001) e as amputações são, geralmente, realizadas em crianças e adultos jovens.
As chamadas amputações congênitas também são, geralmente, realizadas em crianças e adultos jovens. Essas cirurgias devem ser realizadas o mais tarde possível para que o indivíduo amadureça e participe da decisão (Downie, 1983). Sem deixar de mencionar a droga mais utilizada por gestantes no final da década de 1950 e no início da década de 1960 contra o enjoo matinal, que foi retirada do mercado após ter sido identificada como causadora deste tipo de defeito.
Referências bibliográficas
RAMACHANDRAN.V.S, P.h.D.e BLAKESLEE SANDRA. Fantasma no cérebro: Uma investigação dos mistérios da mente humana. 2ª ed. - Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Record, 2004;
MÜLLER, S. Estranho Corpo, In: O cérebro se refaz. Revista Viver Mente e Cérebro. Ed.162, novembro de 2007. Duetto Editorial;
NICOLELIS, Miguel. Convivendo com fantasmas. In Memória de um neurocientista. Revista: Viver Mente e Cérebro, ano XIV, ed.nº173, junho de 2007. Duetto Editorial;
SINTOMAS DA DOR FANTASMA. In.:Dra.Shirley de Campos., 2002. Disponível em:<http://www.drashirleydecampos.com.br;
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