Terapia cognitiva: abordagem para o transtorno afetivo bipolar

Psicologia

26/02/2009

Terapia cognitiva: abordagem para o transtorno afetivo bipolar

Mário Francisco Juruena¹

Recebido: 12/11/2001/Aceito: 12/11/2001

RESUMO

Este estudo revisa a terapia cognitiva (TC) para o transtorno afetivo bipolar (TAB). A pobre resposta terapêutica dos pacientes, corretamente diagnosticados com TAB, sustenta a associação de uma intervenção psicossocial. As características psicoeducativas da TC proporcionam aprendizado sobre o quadro TAB, sobre a abordagem da terapêutica, e aumentam a aderência ao tratamento farmacológico, desenvolvendo as habilidades para prevenir recaídas em depressões bipolares, mania e TAB. A TC pode ser útil em melhorar a qualidade de vida e de funcionamento do indivíduo com TAB, ajudar no reconhecimento precoce dos sintomas, diminuindo as recaídas e a sintomatologia maníaco-depressiva. A compreensão do processo cognitivo em TAB e o refinamento das intervenções cognitivas específicas no TAB.

Unitermos: Mania; Transtorno Afetivo Bipolar; Psicoterapia Cognitiva; Psicoeducação; Psicossocial.

ABSTRACT

Cognitive-behavioral therapy for the bipolar disorder patients

This paper reviews cognitive therapy (CT) for bipolar disorder (BD). The poor outcome of patients diagnosed with BD supports the addition of a psychosocial intervention for the treatment of this recurring disorder. The psychoeducational nature of CT, the effectiveness in increasing compliance to pharmacological treatment and the ability to prevent relapse in unipolar depression are used in the treatment of mania and BD. Results indicate that CT may be an effective intervention for the treatment of BD. Specifically CT may be useful in improving quality of life and functioning, increasing compliance, helping early symptom recognition, decrease relapse and decrease depressive and maniac symptomatology. Understanding the cognitive process in BD can refine our cognitive interventions in BD.

Keywords:
Mania; Bipolar disorder; Cognitive therapy; Psychoeducational; Psychosocial.

Este estudo revisa a terapia cognitiva (TC) para o transtorno afetivo bipolar (TAB). O transtorno bipolar é uma doença mental grave, crônica, recorrente e incapacitante. Enquanto alguns raros indivíduos podem experimentar somente um único episódio de mania e depressão em suas vidas, mais de 95% das pessoas com transtorno bipolar têm episódios recorrentes de depressão e mania ao longo de suas vidas (Goodwin & Jamison, 1990). A probabilidade de experimentar novos episódios de depressão ou mania realmente aumenta com cada episódio subseqüente (Gelenberg et al., 1989) apesar do tratamento. Há também evidências que o tempo entre os episódios diminui durante o curso da doença (Angst, 1981). Isso significa que indivíduos passarão mais tempo doentes e menos tempo bem enquanto o transtorno progride. Aproximadamente 25% das pessoas com transtorno bipolar tipo I (Weissman et al., 1988) e até 60% dos bipolares tipo II tentam suicídio durante a evolução da doença (Juruena et al., 2000). Na tentativa de controlar o curso dessa doença, o tratamento farmacológico ao longo da vida ou de manutenção é geralmente indicado. Farmacoterapia de manutenção pode não eliminar completamente recorrências de mania ou depressão. Mas pode, no entanto, diminuir a freqüência, a duração e a gravidade dos episódios de mania e depressão (Baastrup e Schou, 1967), diminuindo o sofrimento do paciente, a hospitalização e o custo e melhorando seu funcionamento psicossocial.

Dados referentes à resposta terapêutica em somente 50% dos pacientes diagnosticados com TAB sustentam a associação de uma intervenção psicossocial para o tratamento desse transtorno afetivo recorrente (Patelis-Siotis, 2001). Os avanços dos sintomas podem ser precipitados pelo ambiente, pelos fatores orgânicos ou idiopáticos. Disfunção do sono, por exemplo, causada por eventos somáticos, como uma doença clínica, ou por viagem ou por mudanças de fuso horário ou ciclo sono–vigília, é um dos muitos mecanismos que podem relacionar-se com a piora dos sintomas (Wehr, 1987). Estressores psicossociais também podem precipitar o início de episódios da doença em transtorno bipolar (Kraepelin, 1921), embora talvez mais comumente em episódios precoces de depressão e mania que em episódios tardios (Post, 1992). Ambiente e outros fatores podem interagir. Por exemplo, preocupação com problemas psicossociais pode levar os pacientes a esquecerem de tomar a medicação, podendo causar disfunção do sono, ou grave e prolongada disfunção emocional com recaídas ou recorrências da depressão ou mania. Relacionando, uma identificação precoce pode permitir uma intervenção precoce e, talvez, prevenção de um episódio afetivo ou contenção rápida da evolução dos sintomas (Cochran, 1984).

No TAB, apesar das raízes biológicas, as oscilações no afeto, o comportamento e o temperamento manifestam-se principalmente no pensamento, na percepção, na linguagem e na cognição. As fortes mudanças no humor, na personalidade, no pensamento, e no comportamento inerentes ao transtorno bipolar freqüentemente aprofundam efeitos nos relacionamentos interpessoais. A fragilidade afetiva (Goodwin e Jamison,1990), a extravagância financeira, as flutuações nos níveis de sociabilidade, as indiscrições sexuais e os comportamentos violentos (Akiskal et al., 1977) são todos claramente fonte de desordem, confusão e conflito e se refletem naqueles que sofrem dessa doença e em seus relacionamentos. Nos relacionamentos interpessoais observamos desajustes com familiares e amigos, no trabalho e na comunidade.

Objetivos da tc para transtorno bipolar

Os objetivos principais da TC no tratamento do transtorno bipolar são os seguintes:

1. Educar pacientes relacionados ao transtorno bipolar sobre abordagem do tratamento e dificuldades comuns associadas com a doença.

2. Ensinar para os pacientes um método para monitorar a ocorrência, a severidade e o curso de sintomas maníacos e depressivos.

3. Facilitar a aderência aos regimes medicamentosos prescritos.

4. Fornecer estratégias não-farmacológicas, especialmente habilidades cognitivas, para dar conta de problemas cognitivos, afetivos e comportamentais associados com sintomas maníacos e depressivos.

A abordagem da TC ao tratamento do transtorno bipolar está baseada em muitas suposições subjacentes. A primeira suposição é que os pensamentos, os sentimentos e os comportamentos das pessoas estão fortemente conectados, cada um influenciando o outro. Mudanças no humor e alterações no processo cognitivo, com início de depressão e mania, inevitavelmente influenciam o comportamento. As respostas comportamentais podem reforçar o defeituoso processo de informações e estados afetivos que estimularam o comportamento – um tipo de profecia de auto-realização (Tabela 1).

Esse ciclo vicioso, se deixado descontrolado, pode grandemente exacerbar os sintomas. Mesmo quando os tratamentos medicamentosos não estão sendo otimamente efetivos, intervenções que quebram esse ciclo ascendente podem ajudar a reduzir a sintomatologia (Figura 1).

A TC está baseada na noção de que sentimentos, pensamentos e comportamentos são inter-relacionados. Isso é, eles influenciam um ao outro. Em TC, os pacientes são ensinados a reconhecer os padrões afetivos, cognitivos e comportamentais que pioram os seus sintomas. Uma vez que o padrão seja reconhecido, técnicas da TC podem ser usadas para "quebrar o ciclo" por meio de modificação de respostas cognitivas ou comportamentais. Esses sintomas podem também servir como sinais para procurar seu melhor controle farmacológico.

A segunda suposição subjacente da TC para transtorno bipolar é a de que pacientes que entendem o que significa ter o transtorno bipolar estarão aptos a desenvolver papéis mais ativos e chegar a decisões mais informadas sobre seus tratamentos. Portanto, a educação do paciente é introduzida antes que as técnicas TC sejam ensinadas. A terceira é a de que a identificação dos sinais precoces de aviso de mania ou depressão fornece uma oportunidade para intervenção precoce e contenção dos sintomas. Educação ligada com tarefas de monitoramento de sintomas provê um veículo para identificação precoce dos sintomas. A quarta é a de que a a adição de intervenções cognitivas expande o arsenal do paciente contra as recaídas. Sintomas precoces mais leves podem não requerer medicações adicionais se eles puderem ser controlados com intervenções psicoterapêuticas (Tabela 2). A quinta é a de que a aderência ao medicamento aumentada permite que os pacientes recebam benefício máximo do tratamento. A TC é de pouco uso para pacientes bipolares quando a farmacoterapia falha. A sexta é a de que o melhor manejo dos problemas psicossociais que estressam os pacientes com transtorno bipolar e exacerbam sintomas pode ajudar na prevenção de recaídas ou recorrências de mania ou depressão. A sétima é a de que a abordagem da TC enfatiza o ensinamento da habilidade para dar conta dos sintomas e das conseqüências do transtorno bipolar. Isto é, supõe-se que nem todos os problemas serão solucionados durante as sessões de terapia. Em vez disso, os problemas apresentados são usados para facilitar o ensinamento de técnicas de TC. Isso aumenta a capacidade de o paciente enfrentar os sintomas e os problemas entre as sessões. Desse modo, a terapia passa a ser mais que uma série de visitas para intervenções de crises (Tabela 3).

A TC para transtorno bipolar difere das formas mais tradicionais de terapia cognitiva de muitas maneiras: (1) os pacientes normalmente não são doentes agudos durante as sessões educacionais e treinamento de habilidades; (2) habilidades serão ensinadas de maneira didática; (3) somente poucas técnicas cognitivo-comportamentais serão ensinadas; (4) a agenda para cada sessão é um protocolo conduzido em oposição à conduta do paciente.

As características psicoeducativas da TC proporcionam, tanto para o paciente como para seus familiares e seus relacionamentos, o aprendizado sobre o que é o transtorno afetivo bipolar, proporcionando e enfatizando o reconhecimento dos sintomas precoces, instruindo sobre o curso longitudinal e os fatores de risco de recaídas e explicando e exemplificando sobre a importância e as características do tratamento e o uso dos medicamentos e da psicoterapia (Glick et al., 1994; Clarkin et al., 1998).

A TC aumenta efetividade da aceitação pelo paciente e pela família do diagnóstico e do tratamento farmacológico, melhorando significativamente a adesão terapêutica. Especificamente a TC pode ser útil no aumento da adesão ao tratamento, melhorando a qualidade de vida e o funcionamento psicossocial do paciente bipolar, ajudando na detecção precoce dos sintomas maníacos, hipomaníacos e depressivos (Tabela 4). Prevenindo o alto índice de recaídas e recorrências com perdas afetivas, psicossociais e profissionais, modificando o padrão de pensamento e o comportamento do paciente com TAB.

Terapia cognitiva (TC) para transtorno afetivo bipolar (TAB) reduz fatores de risco para oscilação do humor, através de: a) redução do nível subjetivo de estresse, reduzindo probabilidade de reativações; b) aprender a romper com os ciclos, reconhecendo o bom humor normal e diferenciando de sintomas iniciais de mania; c) aprender a pensar e agir, sistemática e metodologicamente, para conter distratibilidade e impulsividade maníaca (Tabela 5).

Tendo a TC capacidade de prevenir recaídas em depressão unipolar e sendo as recaídas no TAB, freqüentemente, relacionadas com a depressão bipolar, estudos descrevem psicoterapia cognitiva individual de longa duração (2-4 anos) para uma síndrome que os autores descrevem como disforia pós-maníaca e pós-depressiva, em que os critérios não são preenchidos, mas os pacientes continuam com irritabilidade, impaciência, inadequação e inquietação ou angústia (Jacobs, 1982). Muitos conceitos e técnicas da TC para depressão servem bem para o tratamento do TAB, assim como para identificação e mudanças nos pensamentos automáticos, foco na psicoeducação, aderência e monitoramento de sintomas (Swartz e Frank, 2001) (Tabela 6).

Um problema comum no tratamento do transtorno bipolar é que as pessoas nem sempre tomam os medicamentos regularmente. Quando os pacientes não aderem aos regimes medicamentosos, tomando regularmente os seus medicamentos no horário, a eficácia da farmacoterapia de manutenção é grandemente comprometida (Tabela 7).

Dependendo do desenho do estudo, estima-se que 15% a 46% dos pacientes com esse transtorno não aderem completamente ao tratamento ou o abandonam freqüentemente (Connelly, 1984). A tradicional farmacoterapia de manutenção também pode falhar quando aumenta a gravidade dos sintomas e esses não são identificados precocemente e/ou não são tratados adequadamente iniciando-se episódios completos de depressão ou mania. A ocorrência de sintomas de humor subsindrômicos ou leves aumenta o risco de recorrências de depressão e mania em quatro vezes mais em pacientes com transtorno bipolar (Keller et al., 1991).

O conjunto de TC para transtorno bipolar é distribuído em um período maior que 12 meses, em sessões semanais. Assim como na terapia cognitiva tradicional, tarefa de casa é solicitada no fim de cada sessão (Basco e Rush, 1996). A tabela 8, a seguir, relaciona as fases do tratamento (sessões) e os tópicos das sessões.

Sessões iniciais: considerações sobre a prática cognitiva em bipolares

A proposta dessas sessões é prover paciente e os membros de sua família com uma compreensão racional do tratamento cognitivo para transtorno bipolar e com uma visão do processo do tratamento, incluindo os objetivos da terapia. Fornecer informações sobre os procedimentos de tratamento ajudará os pacientes a se prepararem para os meses seguintes. Além disso, os familiares e amigos, se presentes, aprenderão o que prover e o que é esperado dos pacientes. Talvez o mais importante sejam as sessões educacionais restantes nas quais provêm oportunidades para o clínico estabelecer uma aliança com pacientes e seus familiares.

Objetivos da sessão

1. Fornecer uma visão do processo de tratamento.

2. Discutir os direitos do paciente:

a. qualidade dos cuidados médicos;

b. sigilo.

3. Esclarecer específicas responsabilidades dos pacientes no processo de tratamento.

4. Esclarecer específicas responsabilidades do médico, terapeuta, no processo de tratamento:

a. qualidade dos cuidados;

b. disponibilidade para emergências quando necessário;

c. resposta honesta ao paciente.

5. Discutir as responsabilidades das famílias:

a. detecção de sintomas;

b. encorajamento e suporte aos pacientes.

Procedimentos

1. Introdução da terapêutica ao paciente e familiares. Fornecimento de cartões com o nome do médico e o número de seu telefone, o número do telefone da clínica e onde encontrá-lo em caso de emergência.

2. Revisão do plano de tratamento. Discussão das responsabilidades do paciente, médico e dos familiares.

3. Revisão da proposta de fornecer tarefas de casa e cópia do material escrito destinado.

 

Educação do paciente

Embora poucos médicos discordem da importância da educação de pessoas sobre as suas doenças médicas gerais e tratamento, pessoas com doenças psiquiátricas nem sempre recebem informação suficiente sobre seus transtornos ou seus tratamentos. Cada grupo pode ser responsável por essa falha na comunicação. Sintomas como concentração prejudicada, pensamentos rápidos, distratibilidade e ansiedade podem não ser aparentes aos clínicos, mas podem reduzir a compreensão da pessoa ou retenção de informação. Da mesma forma, clínicos podem não transmitir informação ou podem não ter suficiente tempo para educar pacientes. O jargão usado nas interações diárias entre profissionais freqüentemente confunde os pacientes ("você teve uma virada hipomaníaca" ou "você pode ter uma recorrência de depressão maior"). Os pacientes podem às vezes lembrar de um diagnóstico dado no passado, mas podem não entender o que isso significa. Eles nem sempre pedirão esclarecimentos por causa do seu embaraço diante do reconhecimento de que eles não entenderam uma palavra ou expressão usada para descrever sua doença ou tratamento. Algumas vezes, os profissionais de cuidados de saúde falham em não fornecer adequada informação porque eles acreditam que o paciente é incapaz de entender, está desinteressado ou já foi informado anteriormente por outro médico.

Às vezes, a informação fornecida sobre diagnóstico ou tratamento é muito geral ou muito vaga. Os pacientes podem pensar que eles entendem o que os médicos dizem e os médicos podem pensar que eles forneceram perfeitamente claras explanações, mas ambos podem estar errados. Um simples exemplo é "você precisa cuidar de sua dieta e fazer exercício". Essa recomendação comum falha em detalhes suficientes para alterar o comportamento da pessoa na loja de doces ou na mesa de jantar. Apesar das boas intenções, a aprendizagem não ocorre se a informação não for claramente enviada e recebida.

Em clínicas ou consultórios muito ocupados há freqüentemente pouco tempo para a educação de pacientes. Devido à necessidade, os médicos encurtam suas consultas para poder assistir um grande número de pacientes. Enquanto há muitas explicações lógicas para educação de pacientes sem informação, há poucas desculpas legítimas.

Por que a educação do paciente é importante?

Há algumas evidências de que a educação de pacientes pode melhorar a aderência ao tratamento e facilitar o ajuste à doença. Peet e Harvey (1991) randomizaram 60 pacientes clínicos com lítio para participar ou em um grupo educacional, que assistiu a uma palestra de 12 minutos em videoteipe sobre lítio e recebeu uma transcrição escrita, ou receber farmacoterapia-padrão. Medidas das atitudes dos pacientes com relação ao lítio e a compreensão do tratamento com lítio antes e depois da apresentação do vídeo educacional mostraram-se significativas depois das palestras educacionais.

Van Gent e Zwart (1991) forneceram sessões educacionais para 14 pacientes bipolares e seus companheiros. Depois de cinco sessões educacionais e um seguimento de 6 meses, os companheiros dos pacientes demonstraram mais compreensão da doença, do lítio e das estratégias sociais para lidar com os sintomas de seus parceiros. Os níveis de lítio sérico dos pacientes não mudaram no ano seguinte ao programa de educação dos níveis atingidos durante o programa. Isso sugere que o programa de educação pode ter ajudado a prevenir a deterioração na conformidade após um tempo, freqüentemente encontrada nos pacientes tratados com lítio.

Altamura e Mauri (1985) e Youssel (1983) também testaram a efetividade da educação de pacientes na melhora da conformidade ao tratamento em deprimidos em ambulatório. Ambos estudos indicaram que pacientes que receberam informação sobre suas doenças tiveram mais probabilidade de seguir o regime de tratamento prescrito.

Em um mais elaborado estudo de educação de pacientes, Seltzer, Roncari e Garfinkel (1980) forneceram nove palestras para pacientes hospitalizados sobre seus diagnósticos, curso do tratamento, medicação, efeitos colaterais, recaída e importância do suporte social. Com base no diagnóstico e tipo de medicação corrente, 44 pacientes com esquizofrenia, 16 com transtorno bipolar e 7 com depressão maior foram distribuídos em grupos de educação ou em grupos-controle sem educação. A conformidade foi medida pela contagem de comprimidos ou níveis da medicação no sangue. Cinco meses depois, os pacientes do grupo de educação demonstraram grande aderência ao tratamento e foram menos receosos aos efeitos colaterais e à dependência da droga que aqueles do grupo-controle. A taxa de não-conformidade para os membros do grupo educacional foi de 9%, enquanto a taxa de não-conformidade para o grupo-controle foi de 66%.

Esses estudos fornecem alguns exemplos do valor da educação dos pacientes. É difícil dizer se o tipo de efeito observado (diminuição de efeitos colaterais, melhor aderência) é dependente do tipo de informação fornecida aos pacientes. Pacientes psiquiátricos, assim como todos outros pacientes, podem ser melhores participantes no processo de tratamento se eles entendem a natureza do transtorno e seus papéis no tratamento.

Por que a educação da família é importante?

Os membros da família terão muitas questões sobre os sintomas da mania e da depressão, o tratamento e o prognóstico para o futuro. A educação para membros da família sobre transtorno bipolar tem duas funções. Primeiro, isso os ajuda a lidar com suas próprias dores e sofrimentos e os prepara para tempos difíceis que podem vir. Segundo, os coloca como participantes ativos no processo de tratamento.

Aqueles que residem junto, que têm contato regular, ou que possam assistir pacientes com tratamento devem ser envolvidos no processo de educação. Esposos(as), filhos e pais são bons candidatos. Algumas vezes, amigos da família são incluídos também. A real questão é: quem o paciente quer envolver no tratamento? É necessário medir o envolvimento de outros membros significativos, atendendo à necessidade de cada indivíduo. Como sempre, é importante para o médico proteger a confidência da informação do paciente e solicitar permissão do paciente antes de comunicar informações clínicas aos outros significantes.

Quando educar pacientes e membros de sua família

Todo contato com pacientes e membros de sua família é uma oportunidade para educá-los sobre o convívio com transtorno bipolar. O momento mais adequado é quando o diagnóstico inicial é realizado. Freqüentemente, isso ocorre em uma sala de emergência ou unidade hospitalar, quando o paciente está gravemente doente. Quando o estado mental do paciente está claro, começa o processo de educação. A equipe de tratamento deve estar preparada para responder questões, como:

• "O que aconteceu comigo?"

• "O que causou isto?"

• "Por que eu tenho de tomar esta medicação?"

• "Eu tenho de tomar esta medicação o resto da minha vida?"

• "Quando eu vou poder sair do hospital?"

• "Quando eu voltarei ao normal?"

• "Isto vai acontecer de novo?

Mudanças cognitivas em mania

O propósito é iniciar o treinamento dos pacientes para monitorar os seus pensamentos distorcidos ou pensamentos irritáveis que podem sinalizar o começo de mania e intervir com métodos que contenham e organizem os sintomas cognitivos. Quando os pacientes encontram seus pensamentos marcados por aumento de interesse em realizar um grande número de atividades, autoconfiança aumentada ou grandiosidade, ou quando seus pensamentos estão mais dispersos ou desorganizados, eles podem usar esses pensamentos como sinal para início do monitoramento dessas mudanças, as quais podem anunciar um episódio maníaco ou hipomaníaco, mais precisamente, e intervir de forma apropriada.

As mudanças cognitivas associadas com início de hipomania e mania são freqüentemente sutis no início do curso do episódio. Ao ensinar os pacientes a monitorar esses pensamentos, deve-se considerar a evolução de mania como sintomas que se tornam clinicamente notáveis.

Objetivos da sessão

1. Revisar os tipos de pensamentos que podem servir como indicadores do começo de mania.

2. Treinar pacientes a identificar alteração de humor positivo e pensamentos associados a hipomania e mania.

3. Praticar a aplicação dos métodos de reestruturação cognitiva para cognição distorcida pela hipomania.

4. Ensinar métodos para avaliação de planos antes da ação.

Procedimentos

1. Estabelecer adesão e aliança terapêutica.

2. Revisar a análise lógica dos pensamentos automáticos sobre o tema da última sessão.

3. Revisar os pensamentos distorcidos que estão associados com início de hipomania ou mania. Pedir aos pacientes exemplos pessoais de seus pensamentos quando hipomaníaco ou maníaco.

4. Usar registros de pensamentos automáticos como um guia para ensinar pacientes a identificar seus pensamentos distorcidos.

5. Discutir como e quando monitorar pensamentos que podem anunciar mania. Aplicar uma técnica de reestrutura cognitiva para avaliar pensamentos distorcidos e por conseqüência modificá-los. Discutir quando notificar os psiquiatras dessas mudanças cognitivas.

6. Ensinar técnicas de vantagens e desvantagens e o conjunto de objetivos.

7. Atribuir tarefa de casa.

Tarefa de casa

Pedir ao paciente para manter um gráfico do humor para a próxima semana. Quando o humor do paciente cair além do limite normal, pedir para ele completar um registro de pensamentos automáticos. Enfatizar o monitoramento de mudanças positivas no humor para essa tarefa de casa.

Para muitos, mas não para todas as pessoas com transtorno bipolar, o começo da mania ou hipomania pode ser uma experiência agradável. O seu humor melhora consideravelmente; eles se sentem energizados, excitados e otimistas. Para outros, mania e hipomania começam com irritabilidade e agitação. Sentimentos de disforia e euforia podem também alternar rapidamente em algumas pessoas que estão entrando em um episódio maníaco. Em episódios mistos, rápidas mudanças podem ocorrer entre bom humor e extrema irritabilidade. Pacientes que experimentam esses episódios maníacos disfóricos ou mistos relatam que eles são incapazes de predizer o seu humor de uma hora para outra durante esses episódios. Eles alertam para pensamentos acelerados e pensamentos intermitentes de tristeza grave.

A disforia pode ou não estar associada com uma maior velocidade ou conteúdo do discurso. Pacientes podem experimentar extrema fadiga e desejar descansar, mas são incapazes de colocar suas mentes a descansar ou desprender de uma variedade de atividades. Eles têm a experiência desconfortável e desagradável de serem direcionados a envolverem-se em mais e mais atividades, enquanto se sentem mais e mais infelizes.

Episódios maníacos, hipomaníacos ou mistos habitualmente aparecem durante um período de dias até semanas. A natureza e a severidade da sintomatologia (especialmente episódios maníacos) podem impedir efetiva intervenção pelo paciente sozinho. Para algumas pessoas, há uma seqüência típica da progressão dos sintomas a um estado maníaco ou hipomaníaco, iniciando com um sintoma (insônia) e progredindo a outros (aumento do interesse sexual, sentimento de euforia). Mudanças nos padrões de pensamento, processo cognitivo ou preocupação com certas idéias podem ser parte dessa progressão. Alguns são conscientes dessas mudanças cognitivas e podem dizer: "Aqui vou eu de novo. Eu sempre começo pensando dessa maneira quando eu estou ficando maníaco". Esse reconhecimento pode ser um passo importante em agir apropriada e precocemente para controlar os sintomas.

Os membros da família ou outras pessoas próximas aos pacientes podem ajudá-los a reconhecer quando sintomas maníacos ou hipomaníacos estão retornando. Os familiares podem freqüentemente reconhecer o começo dos sintomas hipomaníacos em pacientes antes que estes estejam conscientes de suas próprias mudanças no humor ou ações. Se os familiares apóiam e ajudam, mais do que criticam, os pacientes podem contar com suas observações para ajudar a determinar se as progressões dos sintomas estão de acordo com o desenvolvimento de um episódio maníaco ou hipomaníaco e se uma intervenção adicional é necessária.

Enquanto isso parece simples, há freqüentemente considerável tensão entre o paciente e outros familiares em torno do aparecimento dos sintomas maníacos. Para a pessoa que tem estado deprimida por algum tempo, uma alteração fora da depressão pode ser confundida com hipomania pelos outros.

As alterações cognitivas da hipomania podem ser sutis e facilmente confundidas com "tendo um bom dia". Quando incerto, o monitoramento de sintomas ou exercícios de gráfico de avaliação do humor (afetivogramas) podem ajudar. O terapeuta pode facilitar o uso do monitoramento de sintomas pelo encontro com o paciente e seus familiares para primeiro discutir quando e como monitorar sintomas e como lidar com as reações e manejar desentendimentos.

Os resultados preliminares indicam que a TC pode ser um adjunto efetivo na intervenção para o tratamento de TAB (Palmer et al., 1995; Lam et al., 1999; Zaretsky et al., 1999). O aumento do uso de psicoterapia cognitiva em TAB e o reconhecimento da maior eficácia na associação de psicoterapia cognitiva com medicação em bipolares fundamentam seu uso (Tabela 9).

Podemos concluir que dados preliminares sobre TC para TAB são promissores, mas ensaios clínicos randomizados mais rigorosos são necessários para confirmar a eficácia da TC para TAB. Uma outra área de pesquisa deve dedicar-se à compreensão dos processos cognitivos no TAB, o que nos permitiria refinar e desenvolver intervenções únicas de TC para esse transtorno, buscando avaliar a eficácia da abordagem cognitiva , tão importante quanto os medicamentos para o TAB.

 

Agradecimentos

Ao Professor Ricardo Wainer, pelas referências bibliográficas.
Ao Dr. Paulo Knapp, pelo estímulo e oportunidades.

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1 Mestre em Psicobiologia. Coordenador do Ambulatório de Doenças Afetivas da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA).

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