Questões sobre a qualidade da água de tanques pré-resfriadores no abate de aves
Foto do Chiller de um abatedouro avícola. Fonte: Google, 2012.
Veterinária
21/06/2012
A água é uma substância muito importante para qualquer forma de vida conhecida até hoje. Os processos industriais, na área de alimentos, principalmente o abate de animais, necessitam empregar grande quantidade dessa substância fazendo com que haja conflitos e questionamentos a respeito do uso racional desse recurso natural, tão importante à vida. O abate de aves não foge a esta regra, sendo necessário grande emprego de água, principalmente nos tanques de pré-resfriamento.
Com relação aos tanques de pré-resfriamento por imersão existem muitas controvérsias. Alguns autores mencionam que esse sistema é capaz de fazer uma lavagem da superfície do produto, além do resfriamento, reduzindo a carga microbiana (GRILL et.al., 2006). No entanto, outros autores relatam que existe o perigo da contaminação cruzada pela água de imersão sendo necessária sua constante renovação (BERGAMANN ; RITTER, 2003). Esta etapa, então, pode configurar-se como uma etapa importante no abate de aves. Se algumas condições como fluxo de água, cloração e temperatura da água estiverem dentro dos padrões estabelecidos pelo MAPA, o pré-resfriamento possibilita uma diminuição do número de microorganismos contaminantes.
É importante ressaltar que de fato a diminuição da contaminação da carcaça depende desses fatores sendo que muitas vezes os mesmos são desrespeitados pelos trabalhadores da indústria de aves. Por exemplo, Ueno et.al. (1995) apud Galhardo et.al. (2006) encontrou em sua pesquisa com carcaças de frango 7,1x106 UFC por grama de Aeróbios mesofilos. No entanto, Gill (1996) apud Sehn e Souza (2011) afirma que uma carcaça possui qualidade higiênica adequada quando possui entre 102 e 105 aeróbios mesófilos por grama sendo que acima de 106 UFC por grama a carcaça já pode estar em processo de deterioração. Ou seja, a etapa de pré-resfriamento, a qual muitas vezes deveria auxiliar a redução de contaminação da carcaça tornando essa contaminação aceitável, muitas vezes pode não estar fazendo o seu papel.
Claro que tudo depende de muitos fatores, inclusive a contaminação inicial da carcaça. No entanto, devemos atentar ao fato de que a etapa de pré-resfriamento é uma etapa crítica na determinação da qualidade higiênico sanitária da carne de frango. A Portaria 210 de 10 de novembro de 1998 do Ministério da Agricultura exige que cada tanque de pré-resfriadores por imersão seja completamente esvaziado, limpo e desinfetado a cada 8 horas, o que certamente traz além de um gasto elevado de água ao abatedouro, uma produção de efluentes enorme. No entanto, na dependência de fatores como o número de animais abatidos por dia, observa-se que apesar dessa portaria instituir a troca da água do chiller a cada 8 horas, nem sempre se isso não for feito ocorrerá um grande prejuízo na qualidade da carcaça.
O trabalho de Sehn e Souza (2011), num abatedouro avícola que realiza apenas uma troca de água ao dia demonstra isso. Apesar da contaminação em carcaças coletadas a cada 2 horas ter aumentado significativamente durante as 18 horas do estudo, a contaminação final da carcaça estava dentro do aceitável (era de 5,3x103 UFC de mesófilos por grama no final das 18 horas). Para isso, no entanto, foi muito importante a renovação de água continuamente (1L a 1,5L por carcaça). Desse modo, é possível que se avalie a condição do abatedouro para que seja possível o desrespeito a alguns itens desta portaria, visando uma maior economia de recurso hídrico e menor geração de efluentes, sem que se prejudique a qualidade e segurança do alimento.
O gelo (e também a água) colocado no tanque de imersão para esta etapa do processamento necessita ter uma qualidade microbiológica aceitável. Caso contrário, ao invés dessa etapa ser importante para reduzir a carga microbiana, ela fará com que essa carga aumente. O trabalho realizado por Barboza (2006) relata essa situação. De 25 amostras de gelo colhidas em um abatedouro de aves, localizado na região sul do Rio Grande Sul, quatro amostras (14%) mostraram-se fora dos padrões de potabilidade da água estabelecidos pelo Ministério da Saúde através da Portaria 518 de 26 de março de 2004.
Desse modo, como podemos exigir que o tanque exerça seu papel ? Como pode um tanque de pré-resfriamento auxiliar na queda da contaminação da carcaça se a água usada para resfriar não é microbiologicamente aceitável e encontra-se altamente contaminada?
Existem outros métodos de se realizar o pré-resfriamento da carcaça de frango após o abate. Além da imersão em água gelada ou com gelo, pode-se fazer o resfriamento por ar frio em câmaras frigoríficas entre outros processos aprovados pelo DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal). O resfriamento a ar possui uma vantagem em relação aos de imersão: evita o problema de contaminação cruzada (OBDAM, 2008). De fato, a contaminação cruzada é algo que pode tomar proporções perigosas.
Em um trabalho, de 120 amostras de água coletadas do pré-chiller e do chiller, 5% foram positivas para Salmonella spp. Todas as amostras positivas provinham do pré -chiller. Nesse trabalho, o autor encontrou 5 sorovares de Salmonella que pertenciam ao grupo das Salmonellas paratíficas as quais são encontradas em aves e mamíferos clinicamente saudáveis e são, portanto, de grande importância para a saúde pública (LOPES et.al., 2007).
A Salmonella é um patógeno de particular interesse para a indústria de aves, podendo ser encontrada em aves doentes ou clinicamente saudáveis. Ela pode ser veiculada tanto pelo ovo quanto pela carcaça da ave. No primeiro caso, o ovo pode conter a bactéria na gema, caso a ave esteja clinicamente doente. Além disso, pode ocorrer a contaminação da casca do ovo com fezes em animais portadores o que também pode trazer risco ao consumidor ao quebrar o ovo.
É por esse motivo que se preconiza o consumo de ovos cozidos em detrimento de ovos crus. Já no caso da carcaça, pode haver uma contaminação com a bactéria durante o abate caso haja contato com fezes. O trabalho de Andrade e Souza (2009) relata uma alta contaminação por Salmonella spp. na água de pré-resfriamento. Esse autor analisou 30 amostras de carcaças e detectou positividade em 14 (46,6%) delas num abatedouro de aves do Estado de São Paulo. Além disso, as amostras que apresentavam Salmonella spp. possuiam também maior contagem de coliformes a 35 graus C.
Uma questão interessante levantada pelo trabalho de Giron etl al. (2009) refere-se ao efeito negativo do cloro presente nos tanques de resfriamento na recuperação de patógenos de carcaça. Os autores testaram 60 amostras de carcaças no dia em que foram processadas e durante o armazenamento. Recuperaram 6,7% de Salmonella no mesmo dia da coleta e no dia seguinte. No entanto, o grupo continuou isolando Salmonella até o 5º dia de armazenamento sugerindo que o efeito do cloro foi-se reduzindo ao passar do tempo, permitindo a recuperação da bactéria. Os autores sugerem que o Programa de Redução de Patógenos (PRP) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o qual preconiza que as análises sejam realizadas apenas até 24 horas da coleta.
Desse modo, muitas amostras positivas nos dias seguintes seriam consideradas negativas pelo programa, pois deram resultado negativo para Salmonella no dia da coleta (e no dia seguinte a ela). Assim, conclui-se que existem muitos dados a serem descobertos e estudados a respeito das etapas de pré-resfriamento e de resfriamento na produção de carcaças e cortes de frangos. As etapas de pré-resfriamento e de resfriamento podem ser consideradas "facas de dois gumes", pois embora sejam necessárias para diminuir a replicação de microorganismos, podem causar uma contaminação cruzada.
É por esse motivo que essas etapas podem ser consideradas PCCs (Pontos Críticos de Controle) dentro da cadeia de produção de aves e deve ser exercido o controle de fatores como a cloração, renovação e controle da temperatura da água.
Referências Bibliográficas
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4 - GALHARDO, J.A; LOPES, M.; OLIVEIRA, J.T.; TAMANINI, R.; SANCHES, S.F.; FREITAS, J.C; MULLER, E. E. Eficácia dos tanques de pré-resfriamento na redução da contaminação bacteriana em carcaças de frango. Semina: Ciências Agrárias, v.27, n.4, p.647-656, 2006.
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10 - SEHN, G. A. R.; SOUZA, C. F. V. Efeito da Qualidade Microbiológica da àgua do sistema de pré-resfriamento, nas condições higiênico-sanitárias das carcaças de frango. Revista Higiene Alimentar, v.25, n.200-201, 2011.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Patricia Rossi Moriconi
Atualmente trabalha na Vigilância Sanitária de Campinas e como docente na Universidade Paulista. Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal - FMVZ-USP. Pós-graduada pelo Instituto Pró-Alimento em Dinâmica da Segurança Higiênico-Sanitária dos Alimentos. É Médica Veterinária graduada pela Universidade de São Paulo (2009).
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