Plasma Rico em Plaquetas: Em busca de uma terapia regenerativa

As plaquetas são fragmentos de células sanguíneas
As plaquetas são fragmentos de células sanguíneas

Veterinária

20/06/2014

O plasma rico em plaquetas (PRP) é um derivado sanguíneo autógeno, atóxico, com índice de biocompatibilidade em 100% e que não oferece riscos de transmissão de doenças infectocontagiosas, já que é originado do plasma do próprio paciente (BAUER et al., 2009; DE ROSSI et al., 2009).É uma fonte de fácil aquisição e de baixo custo de diversos fatores de crescimento (FC), que devido às suas ações mitogênica, quimiotáxica e neovascular apresentam papel importante na regeneração tecidual, apresentando assim um grande potencial terapêutico (MAIA e DE SOUZA, 2009; MAIA et al, 2009). Esse hemoderivado é constituído por plasma e plaquetas. O plasma contém diversos fatores de coagulação e as plaquetas liberam fatores de crescimento após sofrerem degranulação no local lesionado (BARBOSA et al., 2008).


Fatores de crescimento são proteínas que desempenham importante papel na migração, diferenciação e proliferação celular. Quando adquiridos isoladamente, possuem um custo bastante elevado e são necessárias repetidas doses para obtenção do efeito terapêutico (LAGUNAZ, 2006).


As plaquetas são fragmentos de células sanguíneas formadas na medula óssea, tendo grande importância na coagulação do sangue por possuir como principal função, a formação de coágulos (ALBUQUERQUE et al., 2008). O plasma rico em plaquetas é uma forma de obtenção de FC, com um custo mais acessível, visto que os níveis destes fatores aumentam em relação linear com o número de plaquetas. Além disso, o PRP permite uma liberação continuada dos FC, diminuindo assim a quantidade de aplicações necessárias para se alcançar os efeitos terapêuticos (LAGUNAZ, 2006).


O primeiro relato da utilização do PRP ocorreu na espécie humana em 1997 por Whittman e colaboradores, onde buscavam a estimulação da regeneração tecidual em cirurgias orais. Após, sua utilização foi expandida em diversas áreas tais como nas cirurgias plástica, ocular e ortopédica e também no tratamento de feridas (ANITUA et al., 2004). Recentemente têm sido estudados na medicina veterinária, sendo empregado em enfermidades como desmites, tendinites, osteoartrites e na cicatrização de feridas. (VENDRUSCOLO et al., 2012a; VENDRUSCOLO et al., 2012b; SILVA et al., 2011).


Nos últimos anos, tem surgido um grande interesse na utilização dos fatores de crescimento derivados das plaquetas, devido seu potencial quando se pensa em uma regeneração tecidual eficiente. Os FC agem aumentando a formação tecidual, induzindo à transformação de células mesenquimais indiferenciadas em células específicas, além de desencadear a liberação de vários outros fatores de crescimento, promovendo angiogênese e a produção de fibras de colágeno através da ativação dos fibroblastos (DE MELLO et al. 2006).

Esses fatores são liberados na matriz extracelular (MEC) e ligam-se ao receptor tirosina-quinase, presente nos tecidos. A ativação do receptor estimula a transcrição do RNAm através dos genes responsáveis pelo controle da divisão celular, que ativam uma cascata biológica, resultando numa resposta que irá conduzir à reparação e a regeneração dos tecidos (MAIA et al., 2009; SILVA, 2010).


A medicina regenerativa busca estratégias de tratamentos que permitam uma substituição ou restauração dos tecidos danificados. A regeneração implica na reposição de células originais no tecido lesionado, preservando suas características morfológicas e funcionais, impedindo a cicatrização tecidual com consequente substituição de tecido original por tecido conjuntivo fibroso(CARMONA et al., 2011a; VIEGAS et al., 2006). Assim, o termo regeneração representa o denominado restitutio ad integrum, onde a reconstrução dos tecidos lesados ocorre tanto quando se refere à morfologia, quanto à funcionalidade, permitindo que as suas funções originais sejam mantidas por completo (VIEGAS et al., 2006).


Acredita-se em dois motivos básicos para utilização do PRP em tecidos moles; pela sua propriedade analgésica e pelos efeitos deste na estrutura tecidual, neutralizando os efeitos catabólicos da inflamação e potencializando os efeitos anabólicos regenerativos. Como efeitos anabólicos têm-se diferenciação e multiplicação celular, síntese da MEC (DE OLEZA, 2009) e regulação de catabólicos através da degradação de interleucina e de metaloproteinases (MEIRELLES et al., 2010).


Os FC plaquetários regulam o metabolismo celular, resultando num aumento da transcrição gênica, que produzem proteínas responsáveis pela proliferação e diferenciação celular, pelo aumento da MEC e pela angiogênese, facilitando o processo regenerativo (VENDRUSCOLO et al., 2012b). Pela natureza complexa dos processos envolvidos na reparação tecidual, torna-se pouco provável que um fator de crescimento de maneira isolada, seja suficiente para obtenção da regeneração de um tecido lesado (VIEGAS et al., 2006).


Vários FC presentes nas plaquetas são importantes para o desenvolvimento e homeostase dos tecidos mole, entretanto o IGF-1 e o TGF-β1 demonstram importante papel na reparação desses tecidos. O IGF-1é um importante mediador em todas as fases da cicatrização e seu papel primário é estimular a proliferação e migração dos fibroblastos para o local lesionado, aumentando à produção de colágeno e outras estruturas da MEC, possuindo também a habilidade em diminuir o processo inflamatório. O TGF-β1 possui atividade pro-reparativa de grande importância, porem é uma citocina chave na formação de fibrose, podendo resultar em uma desordem de reposição do colágeno (VENDRUSCOLO et al., 2012b).

Várias vantagens são observadas com o uso do PRP entre elas; é uma fonte de diversos tipos de FC, o que possibilita a ação conjunta destes, aumentando a vascularização tecidual através da estimulação da angiogênese. É um agente hemostático imediato, é efetivo e seguro, estimula a quimiotaxia, diferenciação e multiplicação de linhagens múltiplas de células, estimula a síntese de MEC, acelera a regeneração de tecidos moles, causa redução da dor, por ser autólogo não oferece riscos na transmissão de doenças infecciosas, tem boa tolerância, o tempo de preparo é breve, permite uma concentração plaquetária entre 2,5 a 10 vezes mais que o nível sanguíneo basal, a depender do método de obtenção utilizado o volume necessário para utilização é obtido facilmente (DE OLEZA, 2009; SUTTER, 2007 YAMADA et al., 2012).


A centrifugação permite a obtenção do plasma rico em plaquetas por gradiente de densidade, aumentando a concentração plaquetária quando comparado à contagem normal destas células no sangue (VANAT et al., 2012; VIEGAS et al., 2006).Com isso, pode conter entre 3 e 5 vezes mais plaquetas quando comparado aos níveis fisiológicos normais (MAIA et al., 2009). Alguns autores preconizam que o número de plaquetas concentradas em um PRP deveria ser maior que 1.000.000 de plaquetas por μL, entretanto outros autores têm observado que valores acima de 300.000 plaquetas por μL podem induzir um efeito terapêutico desejável (CARMONA, 2011ª; CARMONA et al., 2011b).


Até então, dispositivos automáticos, semiautomáticos e manuais vêm sendo desenvolvidos para obtenção do concentrado de plaquetas sendo que todas as técnicas utilizadas apresentam suas vantagens e desvantagens. O sistema automático (máquina de plasmaférese) requer alta tecnologia, mão de obra especializada e um grande volume de sangue, entretanto apresenta baixo risco de contaminação bacteriana. O método semiautomático permite concentrar um numero elevado de plaquetas e fatores de crescimentos, quando comparados com as outras duas técnicas e apresenta risco de contaminação menor do que a técnica manual. Por outro lado, essa técnica concentra um alto numero de leucócitos além de ter um custo muito elevado. Já o método manual realizado por centrifugação em tubo é simples e barato, porém necessita de uma preparação asséptica para evitar contaminação bacteriana (CARMONA et al., 2011b).


As primeiras formas para obtenção do PRP em humanos eram limitadas a grandes centros cirúrgicos, devido à necessidade de máquinas específicas para tal procedimento. Surgiram então técnicas de obtenção por métodos semiautomáticos que reduziram os custos de produção, porem ainda se mantiveram dispendiosos. A possibilidade de se obter PRP com custos menores, utilizando uma centrifuga convencional, fez surgir alguns protocolos que embora sejam mais trabalhosos e necessitem de aprendizagem por parte de quem irá realizar o procedimento, possui um custo muito inferior quando comparados aos outros métodos (PEREIRA, 2012; VENDRAMIN et al., 2006, 2009; VENDRUSCOLO et al., 2012a).

O PRP extraído de forma manual pode ser obtido mediante uma ou duas centrifugações (PEREIRA, 2012; SCARANTO, 2002; VENDRUSCOLO et al., 2012b). O protocolo com uma centrifugação é indicado para áreas maiores onde o volume de preenchimento é mais importante. Já o protocolo com duas centrifugações é indicado para áreas menores, onde o volume a ser preenchido não é tão importante quanto à concentração plaquetária (SCARANTO, 2002).


Na primeira centrifugação ocorre a separação do sangue em três camadas. A camada superior é composta por plasma e plaquetas. Na região central, encontra-se a camada intermediaria que é fina, esbranquiçada, denominada de zona de névoa e é constituída por leucócitos e algumas plaquetas maiores. A camada inferior é constituída por hemácias, que devido ao seu maior peso específico se depositam na parte inferior do tubo (PEREIRA, 2012; VENDRUSCOLO et al., 2012b).Após a segunda centrifugação, o plasma é divido em duas frações: a sobrenadante, denominada de plasma pobre em plaquetas ( PPP ) e a remanescente que é o plasma rico em plaquetas propriamente dito (VENDRUSCOLO et al., 2012a; ZANDIM et al., 2012 ).


Na medicina veterinária, a técnica para obtenção do PRP vem sendo baseada nas técnicas utilizadas para a espécie humana (MAIA, 2008; MAIA et al., 2009). Entretanto, muitos aspectos sobre esses protocolos ainda necessitam ser esclarecidos, tais como; a influência das hemácias e dos leucócitos no PRP, a relação entre concentração plaquetária e os fatores de crescimento após o processamento das amostras sanguíneas e a concentração de plaquetas e fatores de crescimento necessários para obtenção do efeito terapêutico (PEREIRA, 2012). A presença de leucócitos é considerada por alguns autores como sendo negativa, visto que estas células podem estar relacionadas com o aumento do catabolismo e com a diminuição da síntese de MEC. Portanto o método para obtenção de PRP mais adequado é aquele que também resulta numa menor concentração de glóbulos brancos, permitindo assim uma maximização dos efeitos benéficos das plaquetas (FERREIRA, 2011; PEREIRA, 2012).


Na literatura é possível encontrar outros termos utilizados para o PRP como; concentrado de plaquetas, plasma enriquecido em plaquetas, plasma rico em fatores de crescimento, ou gel de plaquetas (MARX, 2004; PEREIRA, 2012). O gel de plaquetas é um subproduto obtido a partir do PRP quando ativado por trombina ou cálcio, que leva a ativação plaquetária e consequentemente ao inicio do processo de coagulação e gelação do PRP. Esse processo facilita a aplicação em algumas situações, conferindo ao gel propriedades adesiva, hemostática e cicatrizante e tem sido muito utilizado na medicina humana em cirurgias ortopédicas, plásticas e neurocirurgia (PEREIRA, 2012; VENDRAMIN et al., 2006). Entretanto, alguns autores demonstram que a aplicação do PRP sem ativação exógena, é capaz de liberar fatores de crescimento por um período mínimo de quatro dias (DE OLEZA, 2009; VENDRUSCOLO et al., 2012b).

Vendramin et al., (2010) afirmam que o plasma rico em plaquetas sem ativação economiza tempo e dinheiro, visto que essa forma de aplicação não necessita de gelação. Assim, o PRP pode ser injetado diretamente no ponto da lesão, exercendo seu efeito local, tendo a aplicação facilitada quando comparado com a forma em gel. A ativação plaquetária posterior poderia ocorrer, tanto por meio de substâncias geradas pelo traumatismo causado pela agulha utilizada na injeção do material, como pelo colágeno tecidual ou pela ação de ambos.


A fase mais apropriada para esse tipo de tratamento regenerativo é na fase de reparação, devido à possibilidade de intervir na reorganização estrutural da lesão. Existe um grande consenso para não se utilizar o plasma rico em plaquetas durante os primeiros 10-15 dias da lesão, pois a hemorragia inicial ainda está presente (DE OLEZA, 2009; FERREIRA, 2011).Até o termino deste prazo, deve-se ministrar tratamento de suporte como repouso, crioterapia e AINEs. Durante este intervalo ocorre uma organização da lesão facilitando a determinação do local e da extensão da mesma (FERREIRA, 2011).



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Existem relatos positivos de diversos autores sobre a utilização do PRP na medicina veterinária, entretanto por se tratar de uma terapia relativamente nova é de extrema importância a realização de estudos controlados que comprovem tanto a eficácia quanto seus possíveis efeitos adversos a curto e longo prazo. Após essas avaliações será possível garantir a eficiência e a segurança desse novo tratamento, que apresenta-se com um grande potencial terapêutico futuro, na medicina veterinária.
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Davi Silva Mello

por Davi Silva Mello

Médico Veterinário formado pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), mestre em Ciência Animal pela mesma instituição na área de Produção de Bovinos Leiteiros e especialista em Gestão em Agronegócio pela Universidade Católica Dom Bosco.

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