A leishmaniose é uma doença transmitida por protozoários do gênero Leishmania. Existem atualmente no Brasil seis espécies de protozoários responsáveis por causar a doença humana. Os tipos de enfermidades mais encontrados são a Leishmaniose Visceral (conhecida como Calazar), que afeta órgãos internos, e a Leishmaniose Tegumentar Americana, que afeta pele e mucosas. Podem ser vitimados pela doença, além da espécie humana, diversos mamíferos silvestres (como a preguiça, o gambá, roedores, canídeos) e domésticos (cão, cavalo, entre outros).
A transmissão se dá apenas por meio do inseto vetor, que transmite o protozoário de um indivíduo doente para outro sadio através da picada. Esses insetos possuem hábitos vespertinos e noturnos, atacando humanos e animais principalmente ao amanhecer e no início da noite.
A conjunção socioambiental de uma determinada região (as condições ecológicas inadequadas somadas à falta de cuidados das pessoas) favorece a manutenção dos mosquitos/vetores e consequentemente o aparecimento da doença.
O número emergente de casos de leishmaniose está relacionado, dentre outros fatores, ao deflorestamento e o desenvolvimento da agricultura em determinadas regiões, como a amazônica, possibilitando a endemicidade da doença e notificação de diversos surtos pontuais. As transformações desenvolvimentistas dos territórios aumentam a incidência das formas cutânea e visceral da Leishmaniose (Desjeux, 2001), especialmente nas áreas de abertura de estrada e nas residências humanas implantadas ao longo destes empreendimentos possibilitando a adaptação de hospedeiros e vetores ao peridomicílio (Patz et al. 2000).
O conhecimento de que as transformações ambientais favorecem o crescimento das leishmanioses obriga a sociedade a repensar a forma de combate à doença, intensificando as medidas preventivas relacionadas ao meio ambiente e não apenas focando na eutanásia de animais domésticos (cães) afetados, como muitos equivocadamente acreditam ser a forma mais efetiva de controle.
O Programa Nacional de Vigilância e Controle das Leishmanioses, do Ministério da Saúde (MS), no tocante às medidas de controle da doença, recomenda o controle do reservatório canino, ou seja, recolher e realizar a eutanásia dos cães com leishmaniose visceral (tanto cães em situação de rua, domiciliados ou semi-domiciliados), mesmo os que não apresentem sinais clínicos.
A prática da eutanásia nos cães positivos não apenas se configura como uma prática cruel para com os animais (que também são vítimas, assim como os humanos) como também não existe comprovação de sua eficácia, não sendo considerada a melhor forma de controle. Portanto, sua recomendação é atrasada, ineficaz e desnecessária. O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda realizam tal prática, em detrimento do controle dos mosquitos.
Existem vacinas contra a leishmaniose visceral canina licenciadas no Brasil e na Europa, mas embora o cão doméstico seja considerado o reservatório epidemiologicamente mais importante para a leishmaniose visceral americana, o MS não adota a vacinação canina como medida de controle da leishmaniose visceral humana. Enquanto isso, para os cães, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o uso de métodos preventivos, como a vacina e coleira contendo inseticida (deltametrina 4%).
A supressão vegetal, a destruição de habitats e ainda a introdução e translocação de espécies exóticas invasoras trazem impactos significativos para a saúde animal e humana. A preocupação com o desenvolvimento sustentável e a conservação da biodiversidade é fundamental para o controle de muitas doenças.
No combate às leishmanioses o MS recomenda ações dirigidas à população, ao vetor e ainda atividades de educação em saúde. A comunidade deve realizar medidas preventivas de higiene e conservação ambiental que evitem a proliferação do inseto vetor e visem também a redução do contato homem-vetor, tais como:
1. Medidas de proteção individual, tanto para humanos quanto cães: uso de mosquiteiros com malha fina, telagem de portas e janelas, uso de repelentes e evitar a exposição nos horários de atividades do vetor (crepúsculo e noite) em ambientes onde este habitualmente possa ser encontrado;
2. Manejo ambiental: limpeza de quintais, terrenos e praças e eliminação de fontes de umidade, a fim de alterar as condições do meio que propiciem o estabelecimento de criadouros para formas imaturas do vetor;
3. Eliminação e destino adequado de resíduos sólidos orgânicos;
4. Atividades de educação em saúde, que devem ser inseridas em todos os serviços que desenvolvam as ações de vigilância e controle, requerendo o envolvimento efetivo das equipes multiprofissionais e multiinstitucionais, com vistas ao trabalho articulado nas diferentes unidades de prestação de serviços.
Portanto, medidas de higiene e conservação ambiental que evitem a proliferação do inseto vetor é a principal forma de combate às leishmanioses. Um dos maiores benefícios da conservação da biodiversidade é o controle de doenças. A conscientização da comunidade aliadas à implementação de políticas públicas efetivas e atualizadas são a chave no combate às zoonoses e consequentemente na manutenção da saúde das populações humana e animal.
Referências:
Desjeux, P. The increase in risk factors for leishmaniasis worldwide. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, 95(3): 239-243, 2001.
Patz JA, Graczyk TK, Geller N, Vittor AY. Effects of environmental change on emerging parasitic diseases. Int J Parasitol. 30:1395–1405, 2000.
Ministério da Saúde, Guia de Vigilância Epidemiológica - BVS Ministério da Saúde, 10ª edição.
www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes, 2009.
Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.
por Adriana Lucia Souto de Miranda
Médica Veterinária. Área de Saúde Pública e Controle populacional ético de cães e gatos.
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